segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Direito Português no Brasil Colônia – 2ª parte.


            O sistema de Capitanias Hereditárias não funcionou por muito tempo. O empreendimento colonial não pode se manter apenas com o capital privado. Foram poucos os donatários que assumiram seus lotes, muitos deles enviaram ouvidores em seu lugar, a ocupação se deu de maneira muito dispersa e pouco lucrativa para a Coroa.

            A Coroa portuguesa resolveu transpor para a colônia o modelo de administração municipal da Metrópole, no sentido de ter maior controle das terras coloniais e buscar melhores resultados econômicos. Então, em 1548 foi criado o Governo-Geral e em 1549 foi implantado no Brasil, com sede em Salvador, sendo o primeiro Governador-Geral Tomé de Sousa, que veio acompanhado do Desembargador Pero Borges para desempenhar a função de Ouvidor-Mor. É o marco inicial da estruturação do judiciário brasileiro.

A diferença com relação ao sistema de capitanias é que os donatários, que antes possuíam poderes praticamente soberanos, estariam sujeitos, a partir de então, ao Governo-Geral; e os Governadores-gerais  estariam diretamente sujeitos ao poder metropolitano.

Contudo, o poder do governador era limitado por normas muito precisas e rigorosas, e devia prestar contas detalhadas, especialmente, ao fim do mandato. Havia uma fiscalização rotineira dos feitos do governo-geral, porque se vivia um contexto de desconfiança do governo central com relação aos seus agentes, em razão de desleixos, incapacidades e desonestidades entre eles; há de se levar em conta as distancias e as dificuldades de comunicação, que facilitavam toda sorte de desmandos.

Um Regimento estabelecia quais as competências do Governador-Geral; seriam: cuidar da defesa da terra contra ataques construindo e conservando fortes e muros, bem como, armando os colonos; favorecer o estabelecimento de engenhos de cana de açúcar; empreender expedições exploradoras; proteger os interesses da Coroa com relação ao pau-brasil e aos impostos; fazer aliança com os índios e auxiliar em sua catequese – o governador devia evitar a sua escravização, e doar terras aos índios com a intenção de os integrar no sistema produtivo colonial.

O índio era uma questão difícil a ser tratada pelo Governador, visto que os interesses e a visão de colonos e Coroa portuguesa entravam em conflito. Para os colonos o índio era mão de obra abundante e barata, para a Coroa os índios deveriam ser tratados como colaboradores na ocupação do território; mas, essa visão não se justificava pela intervenção papal em favor do índio em 1537, mas sim pelos interesses de Portugal no comércio lucrativo de escravos da África: a colônia era um consumidor em potencial do tráfico negreiro, que se desenvolvia e estaria liberado oficialmente para o Brasil em 1559. E para reforçar esse conflito entre interesses metropolitanos e colonos estavam os jesuítas a defender os índios e protege-los em suas missões, ou reduções, ou melhor, suas propriedades agrícolas, nas quais os índios seriam a mão-de-obra principal.

O Provedor-Mor da Fazenda (tributos e cargos), o Capitão-Mor da Costa (defesa) e o Ouvidor-Mor (Justiça) eram os principais auxiliares do Governador-Geral.

O Ouvidor-Mor exercia, na verdade, uma função jurídico-administrativa. Ele era a autoridade máxima da Justiça na colônia, mas, dependendo da personalidade do Governador-Geral e dos interesses em jogo, as atribuições do Ouvidor-Mor poderiam se confundir ou sobrepor. A princípio, o Ouvidor-Mor era independente, mas, depois, a função vinculou-se com a do Governador-Geral, exercendo as seguintes atribuições:

“examinar conflitos de jurisdição em grau de recurso de apelação ou agravo; limitar o excesso de jurisdição dos donatários, emitir alvarás para soltura dos culpados em crimes, para busca aos carcereiros, para fazerem fintas nas obras públicas dos Conselhos, para seguir apelação e agravo sem que houvesse embargo ou falta de preparo, para entrega de fazenda e ausentes, para possibilitar realizar prova de direito comum em contratos ou alvarás de fiança; vigiar, fiscalizar e punir os donatários que tenham agido por força ou extorsão pública ou criado obstáculos à atividade judiciária; guardar provisão da Mesa de consciência e Ordens sobre dinheiro de pessoas já falecidas, cativos e ausentes”. (CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito. Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.305-306).

Algumas atribuições, como anistiar ou castigar os réus, só cabiam ao Ouvidor-Mor, este poderia aplicar até a pena de morte em escravos, índios e peões cristãos livres; mas, no caso da pena máxima teria que despachar com o Governador, mas, se houvesse discordância entre eles, levariam o caso ao Corregedor da Corte. Nas pessoas de “maior qualidade” poderia aplicar até cinco anos de degredo, excluindo-se de sua ação as pessoas eclesiásticas.

Formalmente, estavam assim organizados, mas, na prática, topavam com muitas dificuldades. Portugal cometeu o erro de transpor o modelo de administração da Metrópole para o Brasil tal e qual, apenas com relação aos impostos houve uma adequação. Não levaram em conta o tamanho do território e as dificuldades de comunicação. Centralizaram e concentraram o poder e as autoridades em capitais e sedes, enquanto o resto do território ficava praticamente desgovernado, no melhor dos casos, a Justiça estava à mercê da incompetência de leigos como eram os juízes ordinários.

As vilas possuíam uma série de cargos jurídicos: almotacéis, juiz ordinários, etc, mas de uma jurisdição imensa. Para amenizar a dificuldade em dar conta de todo o território, a administração portuguesa realizava a prática das Correições e das Visitações, que eram excursões administrativas que deveriam atingir todos os recantos da jurisdição. Estas visitações aconteciam raramente e, geralmente, tinham como objetivos fiscalizar, supervisionar ou auditar recursos. Os ocupantes desses cargos jurídicos também não se limitavam a questões de Justiça, mas assumiam também funções administrativas.

A estrutura judiciária no Brasil colônia estava assim disposta, por ordem decrescente de importância: Ouvidor, Juiz Ordinário ou da Terra, Juiz de Vintena, Almotacéis, Juiz de Fora e Juiz de Órfãos. O órgão máximo era a Casa de Suplicação, que ficava em Lisboa; depois vinham o Desembargo do Paço, a Casa do Porto, a Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho Ultramarino, a Junta de Comércio, o Conselho do Almirantado, o Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício.

domingo, 15 de setembro de 2013

Direito Português no Brasil Colônia – 1ª parte.


O continente americano foi objeto de disputa jurídica entre as grandes potências marítimas Portugal e Espanha nos séculos XV-XVI, antes mesmo de ser oficialmente encontrado.

O Tratado de Toledo (1480), a Bula Inter Coetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494) são os primeiros documentos que resguardam os direitos de conquista e ocupação dos novos territórios para Portugal e Espanha. Estes documentos demonstram a intencionalidade da “descoberta”. Pedro Alvares Cabral aproveitou um desvio de sua viagem comercial as Índias para, em nome da Coroa Portuguesa, ocupar oficialmente as terras que iniciariam o atual Brasil, erguendo assim um marco com o selo português e fincando a primeira cruz da fé católica.

Os primeiros tempos da Terra de Santa Cruz foram de exploração e reconhecimento. No início do século XVI o mercantilismo português ainda se voltava para os produtos do Oriente, a prática mercantilista se organizava no sistema de monopólios, mas o crescente fluxo de metais, ouro e prata, encontrados pela Espanha em suas colônias americanas, incentivava o monetarismo, e, consequentemente, a busca pelos metais preciosos. Mas, Portugal não teve o prazer de encontrar riquezas minerais em seus primeiros tempos de ocupação. Teve que se contentar com a exploração extrativista do pau-brasil, das drogas do sertão e de animais da Mata Atlântica. Em 1506, o Papa Júlio II confirmava a ocupação dessas terras por Portugal usando como referência o Tratado de Tordesilhas.

Assim, podemos considerar a feitoria como a primeira instituição jurídico-administrativa no Brasil; e estava presente em vários pontos do litoral: Itamaracá, Igarassu, Baía de Todos os Santos, Cabo Frio e Rio de Janeiro. A feitoria não era apenas um entreposto comercial, onde se armazenavam os produtos da atividade extrativista. O feitor, o responsável pelo entreposto, era possuidor de uma autoridade. Uma autoridade limitada pelo ambiente selvagem no qual estava inserido.

“Cabia ao feitor evitar a deserção de marinheiros, receber produtos da terra que seriam enviados ao Reino e tentar impedir que embarcassem, sem autorização, indígenas escravizados e, sobretudo, mulheres brancas” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2010. p. 40)

            Os produtos da terra eram fruto do escambo com os índios. Os portugueses se depararam com milhares de pessoas de uma cultura que consideraram atrasada, e que demonstrava uma grande diversidade de línguas e costumes. Na opinião dos conquistadores portugueses, o modo de vida indígena destoava completamente dos padrões da civilização europeia: sem fé, sem rei e sem lei, e, podemos acrescentar, sem roupa, o que escandalizou os portugueses.

Quando os portugueses tomaram posse do Brasil, as Ordenações Afonsinas ainda estavam em vigor, e estas puniam com o degredo cerca de duzentos delitos, entre eles cortar árvores de fruto, comprar colmeias para matar abelhas, trapaças em jogos, ofensas à realeza, infrações do código moral e perturbações da ordem pública. As terras novas do Brasil, selvagens e repletas índios, muitos deles praticantes do ritual da antropofagia, tornaram-se destino de muitos dos condenados ao degredo. Apesar de a pena variar de cinco anos à vida inteira, muitas vezes o degredado ficava para sempre no Brasil, porque a Coroa os esquecia.

Além dos degredados, náufragos e aventureiros aportaram no litoral brasileiro e mantiveram relação estreita com os índios, inclusive de casamento. Os mais famosos foram: João Ramalho, que vivia entre os índios guaianás, no topo da Serra do Mar, no atual estado de São Paulo, e que casou com Bartira ou Potira, filha do chefe indígena Tibiriçá; e Diogo Alvares Correia, o Caramuru, que vivia entre os tupinambás na Bahia e casou com a índia Paraguaçu, também filha de um chefe tribal.

De início a relação foi até certo ponto amistosa com alguns grupos; de reconhecimento, baseada na troca de objetos, de mercadorias, que interessavam a ambos. A ponto de iniciar um processo de aculturação: o europeu assimilando o modo de viver indígena. Mas, a expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa vem relembrar a realidade da civilização para esses europeus; com a autoridade que lhe é conferida pela Coroa, Martim delimita o espaço entre civilização e barbárie, impõe normas de comportamento compatíveis com o modo de viver cristão, como celebrar matrimônio, respeitar as leis do Reino, usar vestimentas, jejuar nos dias prescritos, etc. e ergue vila equipada de acordo com os padrões portugueses: com capela, Câmara e cadeia.

O conflito com os índios torna-se mais grave a medida que a exploração se torna mais explícita, a ocupação do território avança, e a escravidão se anuncia para os indígenas, especialmente incentivada pela guerra tribal, que, muitas vezes, era estimulada pelo próprio europeu. E esta nova fase aconteceu com mais vigor quando Portugal decidiu ocupar o território de maneira mais racional e produtiva, e estabeleceu as Capitanias Hereditárias.

As expedições guarda-costas não estavam sendo suficientes para controlar o imenso litoral e proteger a colônia dos interesses de outros povos europeus. Corsários e piratas assaltavam a Costa causando grandes prejuízos à Coroa; e, diante da impossibilidade imediata da exploração de minérios, dos gastos em manter os domínios na Ásia, dos luxos da Corte e da perda de entrepostos de comércio na Ásia, o melhor caminho seria incentivar o povoamento da colônia no sentido de combater o contrabando e preservar os interesses portugueses.

A implantação das Capitanias Hereditárias esbarra, no entanto, na dificuldade do Rei de Portugal em encontrar candidatos que assumissem tal empreendimento de risco. Foi a pequena fidalguia que atendeu à convocação do Rei, mesmo assim, apenas duas capitanias foram de fato ocupadas por seus donatários, Duarte Coelho e Martim Afonso de Sousa; e, realmente, apesar de todas as dificuldades e desinteresse da Coroa - que estava em busca do ouro -, apenas Nova Lusitânia (Pernambuco) e São Vicente (São Paulo) prosperaram.

Em Portugal já havia a Lei de Sesmarias (1375), que estabelecia a concessão de três léguas de terras para incentivar o cultivo de agricultura de subsistência, caso não houvesse produção a terra seria devolvida à Coroa. Com a instituição das Capitanias Hereditárias, o capitão-donatário tinha como uma de suas atribuições a concessão de sesmarias; mas, no Nordeste os lotes de terras extrapolaram as três léguas, e no Sul foi estabelecido conforme a lei.

Dois documentos formalizavam a autoridade, os direitos e os deveres do donatário e da povoação: a Carta de Doação e o Foral. A Carta de Doação formalizava os limites de terras e jurisdição do donatário; dava posse da capitania, ou governança, e suas rendas ao capitão-donatário, ou governador. Pela Carta Foral ou Foro se estabelecia a jurisdição civil e criminal do donatário sobre escravos, homens livres e índios, o autorizava a fundar vilas, nomear cargos, lançar taxas e tributos e deter monopólio, no caso do açúcar, conceder sesmarias – exceto à mulher ou ao filho herdeiro da capitania – receber munições e comunicar-se com as outras capitanias; estava proibido de dividir o território. O Foral regulava também a vida coletiva do povoado; todos deveriam ser católicos, prestar serviço militar em caso de guerra e não fazer comércio com índios. O Foral também tratava dos monopólios de pau-brasil, especiarias, drogas do sertão e sobre o quinto da Coroa referente à extração de metais e pedras preciosas.

A colonização portuguesa no Brasil foi um empreendimento complexo e de alto custo, que exigia a implantação de um aparelho administrativo e militar adequado, e nesse sentido, a sociedade, ou a convergência de interesses, entre Rei e burguesia comercial foi de e extrema importância. Foi estabelecido um Pacto Colonial, ou seja, um regime de exclusividade de relações comerciais e administrativas com a metrópole portuguesa. A colônia deveria apenas corresponder às expectativas da Coroa, nesse sentido, não poderia realizar manufaturas ou fábricas, a não ser do açúcar, e consumir apenas os produtos provenientes do Reino. Mantinha-se, portanto, a colônia em total dependência da Metrópole.

            É montada a empresa da agroindústria açucareira exportadora: latifúndio monocultor movido à mão-de-obra escrava; também conhecido como sistema de Plantation. Inicia com a escravidão indígena, mas em 1570, em respeito à Bula do Papa Paulo III de 1537, o rei Dom Sebastião proíbe o apresamento de indígenas para a escravidão, a não ser como resultado das Guerras Bárbaras, ou dos Gentios. Em 1559 o rei de Portugal autorizou oficialmente o tráfico escravo da África para o Brasil; limitando a compra de uma centena escravos por senhor de engenho. Escravos da África já eram utilizados em outras colônias, no Brasil Martim Afonso já havia conduzido alguns, e Duarte Coelho havia solicitado autorização para comprar uma leva de 120 escravos da Guiné em 1542.

domingo, 1 de setembro de 2013

As Ordenações Portuguesas - Séculos XV-XVII


Ordenações – atos emanados do poder executivo através dos quais, na Península Ibérica medieval, eram promulgadas normas, decisões e outras medidas destinadas a regulamentar os mais diferentes assuntos. Ou coletâneas de preceitos ou códigos oficiais referentes, predominantemente, ao direito português e espanhol (AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. RJ: Nova Fronteira, 1990. P. 291. In LAGES, 2011. P. 270-271).

Portugal promulgou três ordenações: as Afonsinas, as Manuelinas e as Filipinas. O principal objetivo dessas ordenações era criar uma ordem jurídica própria, não mais dependente da legislação espanhola [de Castela]. Essa necessidade tornou-se mais intensa com a Revolução de Avis (1383-1385), que foi uma crise de sucessão ao trono português, em que Castela reivindicou direitos de ocupar o trono e, consequentemente, anexar Portugal a Espanha. João, filho bastardo de D. Pedro I com Teresa Lourenço, uma mulher do povo, mestre da ordem de Avis, ascendeu ao trono com o apoio da burguesia mercantil.

Com D. João I iniciaram-se a compilação das leis, resoluções régias, petições, etc. que já existiam e formaram as ordenações, que só foram concluídas em 1446, no reinado de D. Afonso V, daí ficarem conhecidas como Afonsinas. Estas ordenações expressam a preocupação em fortalecer o Estado, na pessoa do rei, e diminuir e acabar com as várias leis dispersas pelo reino, que chegavam a concorrer entre si. Composta por cinco livros; apenas o quinto é decretório ou legislativo, porque não se apoia em nenhuma fonte, e é o que aborda o direito e o processo penal. O primeiro se refere aos cargos públicos; o segundo sobre o Direito Eclesiástico, donatários, nobreza, mouros e judeus; o terceiro era sobre o processo civil; e o quarto sobre o direito civil.

Com as Ordenações Afonsinas a estrutura judiciária estabeleceu-se da seguinte maneira: magistrados singulares, magistrados específicos e tribunais colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição.

Magistrados singulares eram: os Juízes Ordinários – bacharéis em Direito eleitos pela Câmara Municipal; os Juízes de Fora – bacharéis em Direito nomeados pelo Rei, possíveis substitutos dos Juízes Ordinários; os Juízes de Órfãos – cuidavam dos interesses referentes a menores, inventários e tutorias; os Juízes de Vintena – juízes de paz a serviço de comunidades com até vinte famílias; os Almotacéis – apreciavam litígios sobre servidão urbana e crimes praticados por funcionários corruptos; os Juízes de Sesmaria – sobre questão de terras; e os Juízes de Alvazis dos avençais e dos Judeus – que deviam resolver questões entre funcionários régios e judeus.

Os Tribunais Colegiados de Segundo Grau eram compostos pelo: Desembargo do Paço – onde se apreciavam questões cíveis sobre liberdade dos indivíduos, como graça, perdão, indulto, privilégios etc; o Conselho da Fazenda – tratava de litígios sobre a arrecadação de tributos; e a Mesa de Consciência e Ordem – que apreciava os recursos dos demais juízes.

O Tribunal Colegiado de 3º Grau era a Casa de Suplicação, que era a última instância da Justiça com competência delimitada.

O rei ocupava o mais alto cargo da Justiça. Ele era o governador da Casa da Justiça na Corte. Era o rei que definia os dias de trabalho e distribuía os Desembargadores, Juízes dos Feitos, Procuradores, Corregedores da Corte e Ouvidores.

Os Juízes dos Feitos realizava audiências nos Tribunais de Relação e nas Mesas de Consciência. O Corregedor da Corte examinava contas dos Concelhos, Albergarias, Juízes de Órfãos etc, e podia atender a demandas de pessoas menos afortunadas, como também expedir cartas de prisão e livramento. Acompanhava a Corte, assim, era também responsável por suas atividades administrativas.

Os Ouvidores deviam conhecer todos os feitos penais em processo de apelação, e zelavam pela distribuição de audiências nos Tribunais de Relação, e administravam a condução dos serviços forenses.

O Direito Canônico muito influenciou as Ordenações Afonsinas, a ponto de a palavra pecado substituir a palavra crime. Dessa maneira, não se avaliava apenas o crime em si, a materialidade do crime, mas as intenções do acusado; e, nesse sentido, se graduava a pena. A mentalidade jurídica da época, portanto, não trabalhava com a proporcionalidade entre delito e pena. A lei tinha a função de incutir o medo; o temor era justificado pela pena prevista. Diversos delitos sofriam punição idêntica: a pena de morte.

Outro aspecto importante a observar é que não havia de ideia de igualdade, de equidade. As penas e o tratamento variavam de acordo com a origem social, e de gênero, do acusado.

Em 1505, o rei D. Manuel, chamado o “Venturoso”, mandou revisar as Ordenações Afonsinas. Após cinquenta nove anos, o reino de Portugal estava em plena expansão marítima e mercantilista; vivia uma modernidade, uma nova mentalidade que exigia mais agilidade nos negócios e na vida social. Muitas leis já estavam em desuso; muitas leis extravagantes, nesses quase sessenta anos, tinham sido produzidas, e era preciso superar, até mesmo, a linguagem rebuscada e de influencia castelhana das Ordenações Afonsinas.

Surgiram então, em 1521, as Ordenações Manuelinas. Uma legislação que foi beneficiada pela invenção da imprensa (1450), o que a tornou mais conhecida e com maior poder de alcance; auxiliando, assim, a centralização do poder real, do Estado Moderno Português. As alterações empreendidas nas ordenações, nessa revisão, foram mais no sentido da forma – em estilo decretório: a redação em decretos - e com o acréscimo de algumas novas normas que tratavam, especialmente: de relações comerciais – inclusive com estrangeiros; e de direito marítimo. Nos demais assuntos, pouca coisa mudou; continuando na mesma sistemática de lançar mão do Direito Romano quando algo não estava previsto pelas ordenações.

No período do reinado de D. Manuel, o rei exigia a formação acadêmica de Direito para aqueles que trabalhavam com a Justiça; todos os Juízes de Fora deveriam ser advogados formados.

Com o tempo novas leis surgiram revogando ou esclarecendo as ordenações, e a reforma da Universidade de Coimbra em 1537 “gerou um afã legislativo muito grande” (Lages, 2011; p.279). Este processo acabou criando uma dispersão, que dificultava a operacionalidade da legislação. Diante dessas dificuldades uma nova compilação foi encomendada pelo regente D. Henrique em 1569. Essa legislação ficou conhecida como de D. Duarte Nunes Leão - o responsável pela compilação - ou Código Sebastianico, porque D. Sebastião era o príncipe herdeiro ainda menor para ocupar o trono na época.

Em 1571 D. Sebastião, aos catorze anos, assumia o trono português. Educado por jesuítas, Sebastião desejava ser um herói das Cruzadas, e, nesse sentido, em 1578, seguiu liderando dezoito mil homens para África, para lutar contra os infiéis muçulmanos; perdeu a batalha de Alcácer-Quibir, no norte da África. Foi dado como morto, mas o seu corpo nunca foi encontrado.

Um rei sem herdeiros. Portugal entra em crise de sucessão dinástica. Seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, assumiu o trono, mas morreu sem herdeiros. Extinguiu-se a dinastia de Avis.

Apesar de haver “candidatos” ao trono, Filipe II, rei da Espanha, neto de D. Manuel e supremo chefe de uma das maiores forças militares da época assume o trono português. E tem início o período da União Ibérica.

Mas, essa união não foi completa; Portugal ainda manteve certa autonomia e defesa de seus interesses. As Cortes Portuguesas impuseram condições e apresentaram exigências ao novo rei – o Juramento de Tomar (1581): permissão para que o comércio colonial de Portugal fosse com navios portugueses, comandados por portugueses, e as autoridades espanholas não poderiam se intrometer nos assuntos das colônias portuguesas; os cargos, as leis, os costumes, e o idioma português, como língua oficial, seriam preservados.

O desejo de centralização do poder real, e dos juristas em impor o direito romano, assim como repelir a influência canônica foram enumerados como os motivos que levaram Filipe II a empreender uma nova revisão nas Ordenações Portuguesas. Assim, em 1603 era promulgada a Ordenação Filipina, o documento jurídico que mais tempo ficou em vigor tanto em Portugal quanto no Brasil.

A Ordenação Filipina é uma compilação, que revisa um pouco as normas da Ordenação Manuelina; sendo uma de suas principais fontes o Código Sebastiânico. Houve mais uma reforma com base nas ordenações anteriores, poucas novidades foram inseridas, o caráter português foi preservado. A alteração mais importante está na composição da estrutura judiciária, que se tornou mais complexa, o que acompanhava a complexidade da vida socioeconômica e política da época.

A quantidade e a especificidade de juízes e tribunais se ampliaram. Os Juízes Singulares eram: o Juiz das Casas da Índia, Mina, Guiné, Brasil e Armazéns – questões ultramarinas de arrecadação fiscal, com recurso aos Desembargadores dos Agravos da Casa de Suplicação; o Ouvidor da Alfândega da cidade de Lisboa – apreciava feitos cíveis entre mercadores, e cíveis e criminais com envolvimento de funcionários de postos importantes; o Chanceler das Sentenças – responsável pelo selo das sentenças e cartas expedidas por outros juízes singulares; o Corregedor da Comarca – quem vigiava os membros da Justiça, apreciava os agravos; eventualmente, substituía os Juizes de Fora; e tinha a competência de conhecer causas em que uma das partes fosse juiz, alcaide, fidalgo, tabelião, abade e prior; o Ouvidor da Comarca – mesmas funções do Corregedor, mas contra seus atos caberia agravo para o Corregedor, era nomeador por Carta Régia e tinha mandato de três anos; o Juiz Ordinário – anualmente eleito entre os “homens bons” nas Câmaras Municipais tratava de causas cíveis, criminais e competência subsidiária das causas pertencentes ao Juiz de Órfãos, suas decisões só poderiam ser impugnadas por meio de julgamento de recurso no Tribunal de Relação do munícipio de sua alçada; o Juiz de Fora – sua competência alcançava causas cíveis de até 600 réis em bens móveis e 400 réis em bens imóveis, mas também atuavam substituindo os Juízes Ordinários no caso de causas cíveis com valor até mil réis em bens móveis e em lugares de até 200 casas; o Juiz de Vintena atuavam em lugares distantes uma ou mais léguas de uma vila ou cidade, de vinte a cinquenta casas, eleito entre os “homens bons”, apreciava questões de até 100 réis, tinha o poder de decretar prisões, porém, deveria comunicar ao Juiz Ordinário; os Almotáceis, além das competências já estabelecidas pelas ordenações anteriores, julgavam as coimas (multas para proprietários de animais que pastam em lugar indevido), e despachavam nos recursos de agravo e apelação para fins de processamento; o Juiz de Órfãos continuava com as mesmas competências; o Juiz de Sesmaria também continuava com a mesma função, apreciava as demandas sobre medição e demarcação de sesmarias e era escolhido pela Mesa do Desembargo do Paço ou pelos governadores; e, por fim, o Inquiridor, aquele que tomava o depoimento das testemunhas.

A Casa de Suplicação e o Tribunal de Relação formavam a segunda jurisdição, sendo que cada qual cuidava de uma parte do país.

Desembargadores do Paço, Conselho da Coroa e Fazenda, a Mesa de Consciência e Ordem e o Chanceler da Suplicação formavam a Casa de Suplicação. Os corregedores e ouvidores exerciam funções nos Tribunais de Relação de segundo grau.

A Casa de Suplicação presidida pelo Regedor e composta pelo Chanceler Mor e pelos Desembargadores exercia o terceiro grau de jurisdição. O Regedor conduzia as atividades judiciais dos desembargadores das mesas, e seu voto tinha o poder do desempate em qualquer decisão. O Chanceler Mor inspecionava os documentos públicos e extrajudiciais, cuidava dos juramentos e tomada de posse dos cargos dos oficiais do Império. Os Desembargadores divididos em grupos de dez apreciavam os agravos e apelações.

As Ordenações Filipinas elencam uma lista de casos e situações de crime que devem ser recebidos em processo, mas essa lista não é organizada por temática, ou assunto; indica desde questões diversas de relações sexuais consideradas ilícitas, problemas com judeus e mouros, crimes políticos a fugas de cadeia etc. O resultado dos processos, no entanto, era recomendado que devessem ser rápidos e “segundo a verdade” apurada por provas testemunhais, na falta de provas ou “por outro algum respeito jurídico” a pena ordinária era substituída, por exemplo, por degredo e impossibilidade de exercer o mesmo ofício. Não podiam testemunhar: pais, mães, avós, avôs, filhos, netos, bisnetos, irmãos, escravos, judeus, mouros, “o desasisado [que está livre] sem memória” e os menores de catorze anos.

O falso testemunho, e os que induzissem ou corrompessem testemunhas eram condenados a morte e perda de todos os bens, caso o processo tenha se resultado em pena de morte a um inocente; se não tivesse havido morte seria degredado para o Brasil.

Degredos para outros lugares e açoites eram aplicados a crimes mais leves. Morte e degredo para o Brasil eram penas aplicadas nos crimes mais graves.

O Livro Quinto das Ordenações Filipinas é o que trata sobre a matéria e o processo penal. Este livro chama a atenção pela diversidade dos delitos enumerados e crueldade das sentenças e penalidades. Não há proporção entre delito e pena, assim como o tratamento é diferenciado entre nobres fidalgos – considerados “gente de mais qualidade” - e plebeus, escravos, mouros, judeus e mulheres. Os nobres e pessoas formadas em Universidade não sofriam os tormentos, tidos como vergonhosos. A pena de morte poderia ser executada de quatro formas, precedidas, geralmente, por dolorosos suplícios. O vivicombúrio – queimar o indivíduo vivo - era o mais indicado pela ordenação, aplicado, por exemplo, no crime de incesto. A morte atroz significava ainda o confisco de bens, a queima do cadáver, o esquartejamento e a abolição de sua memória, caso aplicado a tabeliães e escrivães que fizeram escrituras falsas. A morte natural era por degola ou enforcamento. A forca, como era considerada uma morte infame, era aplicada nas pessoas de mais baixa camada social. E tinha a “morte civil”, considerada a mais cruel: o individuo mesmo vivo não tinha direito algum, como se não existisse; em alguns casos, o culpado sofria a morte cruel e os filhos herdavam a morte civil.

Nos casos de crime de Lesa-Majestade, aleivosia (traição, fraude), falsidade, moeda falsa, testemunho falso, feitiçaria, sodomia, alcovitaria, furto não gozavam de privilégio algum os fidalgos, cavaleiros ou doutores, mas sofriam as tormentas e punições como qualquer um do povo.

Em menores de dezessete anos, homem ou mulher, não se aplicava a pena de morte, que seria trocada por outra menor a critério do Julgador. De dezessete a vinte anos ficava a cargo de o julgador decidir se aplicava a pena de morte ou não. E de vinte anos em diante se aplica a pena como se passasse de vinte e cinco.

A Ordenação Filipina foi válida no Brasil, no que ainda não tinha sido revogado, até durante o Império, e só foi plenamente substituída em 1916, com a promulgação do Código Civil Brasileiro. Houve algumas tentativas de reformulação motivadas pelo desenvolvimento do conhecimento e da mentalidade jurídica liberal, especialmente influenciada pelo discurso do jurista italiano Cesare Beccaria, que culminou com a obra “Dos Delitos e das Penas” em meados do século XVIII, bem como pelos ideais iluministas de Voltaire, Rousseau e Montesquieu, então em voga. Mas, não houve sucesso nessas tentativas de reformulação; o projeto de Código Criminal do professor José de Melo Freire dos Reis da Universidade de Coimbra foi rejeitado.
Principal referência bibliográfica: LAGES, Flávia. História do Direito. Geral e Brasil, RJ: Editora Lumen Juris, 2011.

domingo, 25 de agosto de 2013

Origens e Fundamentos do Estado e do Direito Português.


Antes de o Império Romano conquistar e anexar (século II; 146 a.C.) a Península Ibérica, celtas, iberos, tartéssios, fenícios, gregos, celtiberos, lusitanos e cartagineses eram os povos que dominavam a região. Estes sofreram o processo de romanização, com a imposição das leis, cultura e organização político-administrativa romana. Os lusitanos foram os que mais resistiram e conseguiram manter traços de sua cultura original. Em 212 d.C. a Constituição Antoniana estendia a cidadania romana a todo Império; assim, na Península ibérica, como em outros lugares conquistados, houve a necessidade de pessoas conhecedoras do Direito Romano e de uma readaptação ao novo ordenamento, porque romanos e não-romanos eram tratados de maneira diferenciada pela Justiça antes de 212.

No século V d.C., com as invasões bárbaras, a Península recebia novas influencias. O Império Romano entrava em acordo com os Visigodos para expulsar os bárbaros. Em troca, poderiam dominar a região.

Até o século VII, a ordem jurídica da Península Ibérica se baseava numa dupla legislação: o Direito Romano e o Direito Visigótico, ambos adotavam o principio da Personalidade das Leis, ou seja, a responsabilidade penal era individual e não podia ser transmitida a terceiros. Os visigodos seguiam uma compilação de 476, o Código do rei Eurico, que teve a colaboração de alguns juristas de formação romana, e, assim, buscavam amenizar as controvérsias entre os povos que, naquele momento, conviviam e se assimilavam culturalmente. Mas, em 506, o rei Alarico II mandava redigir a Lex Romana Visigothorum, ou o Breviário de Alarico, com a finalidade de restaurar o Direito Romano Imperial, seguindo o Código do Imperador Romano Teodósio II (438 d.C.), mantendo o principio da Personalidade das Leis.

Entre os anos 482 e 565 d.C. o Imperador Bizantino Justiniano I (Romano do Oriente) compilou todas as leis romanas revisadas desde o século II e promulgou o Código Juris Civilis. Este serviu de base para que, em 654, o rei visigodo Recesvindo promulgasse um código unificador composto por doze livros: o Líber Judiciorum, que suprimia o princípio da Personalidade das Leis na ordem jurídica da Península Ibérica.

Em 711, os árabes muçulmanos invadiram a Península Ibérica, ou melhor, a Hispânia – como a Península era conhecida na época - em direção à França, contudo, foram contidos. Os árabes se estabeleceram no território Ibérico até o século XV. Sua influencia era mais cultural – idioma, arquitetura - e sentida, especialmente, por meio da mudança de nomes e denominações. Os árabes realizavam uma política de tolerância ao manterem as estrutura dos locais conquistados e respeitando as instituições existentes. O Direito muçulmano se baseava na crença, enquanto o visigótico na raça; assim manteve-se relativa autonomia administrativa e judiciária em alguns condados e territórios.

Todavia, em termos do Direito, os muçulmanos trouxeram instituições consagradas pelo Alcorão, que acabaram por influenciar a ordem jurídica da Península, entre elas, a vindicta privada – a Justiça Privada, que seria a vingança institucionalizada, pois, após o julgamento, era dado o direito a um individuo ou a um grupo de agir contra o que foi condenado pelo crime. Essa prática atrasou a ideia do Direito Público no Direito Português; coexistindo, assim, nos primeiros tempos do Reino de Portugal, a Justiça Pública aplicada por concelhos, senhores, juízes e pelo rei, e a Justiça Privada, exercida pelos parentes ou grupo da vítima.

O processo de construção do Direito português acompanha a história de Reconquista da Península Ibérica aos mouros; um movimento que atravessou os séculos XI, XII e XIII e culminou com a formação dos Estados Modernos de Portugal e Espanha. Enquanto os reinos de Castela, Aragão, Navarra e Leão lutavam pela reconquista de seus territórios, motivados por sua fé católica; na Itália, na cidade de Bolonha, em 1080, se formava um centro de estudos do Direito Romano, que se debruçou sobre o Corpus Juris Civilis do Imperador Bizantino Justiniano I. Esse centro ficou conhecido por Escola de Bolonha e exerceu grande influencia na época. Seus estudos resultaram em obras como a Magna Glosa, redigida por Acúrsio (1182-1357), que reunia os comentários – as glosas – mais importantes a respeito das leis romanas, assim como casos exemplificando as situações jurídicas; e um direito novo, moderno, que combinava o Corpus Juris com critérios novos do século XIV, especialmente representado por um dos seus maiores comentadores: Bartolo de Sassoferrato (1314-1357).

O Condado Portucalense era um dos feudos do Rei de Castela, que foi concedido, pelo casamento com uma de suas filhas, ao nobre francês Henrique de Borgonha, em recompensa pelos serviços prestados na Guerra de Reconquista. Em 1139 o Condado Portucalense formou-se reino, reconhecido pela Igreja, e com dinastia própria (Borgonha). O processo de reconquista continuou ainda por um bom tempo e a constante mobilização militar com a necessária figura do chefe do exército facilitou a centralização de poder em torno do rei, em detrimento dos senhores feudais.

“Como os territórios conquistados agregavam-se ao reino por meio de duras vitórias, os enviados para defendê-los deviam seguir as leis comuns a todos os outros, e não as próprias. Por fim, a herança das terras era subordinada ao critério do merecimento, adquirido na sua defesa ou expansão no combate com os mouros”. (Brasil 500 anos, nº 1,.p.07. Ed. Abril)

As instituições municipais faziam-se fortes e hierarquicamente submetidas ao rei e não a um nobre local: o soberano era o supremo juiz e as leis eram pra todos. Os camponeses, que viviam em regime de servidão, foram libertados; tornaram-se colonos livres que recebiam salário; a medida teve a intenção de evitar que a escassa mão de obra agrícola migrasse para as cidades. O Estado Português nasce moderno por combater o sistema feudal e por implantar uma burocracia muito organizada, responsável pela cobrança dos impostos que mantinham o Exército.

Em meio a essas lutas , em 1151, na Itália, motivado pelos estudos da Escola de Bolonha, o monge Graciano compilou todos os cânones, as leis e regras da Igreja Católica Apostólica Romana, o Direito Canônico, num código chamado Decretum. O Direito Canônico exerceu intensa influencia e interferência na vida social da Idade Média, devido a fraqueza dos reis no sistema feudal, que motivava uma relação política estreita entre Estado e Igreja. O direito Canônico gozava da mesma autoridade do Direito Romano, inclusive em matéria de direito das Obrigações e nos Direitos Penal e Processual, e enquanto ensino universitário.

A ordem jurídica do Reino de Portugal manteve-se por muito tempo sob a égide do Fuero Juzgo, ou leis dos Visigodos, baseada na Lex Romana Visigothorum. Mas, no século XIII, o rei de Castela, Afonso X, ordenou a compilação do Direito Romano e do Direito Canônico por juristas formados na Universidade de Salamanca. Esta compilação ficou conhecida como Ley de Las Siete Partidas; e também passou a ser válida no território português, conhecidas como “Leis romanas traduzidas em espanhol”, trabalho realizado por Reinículas ou Decisionistas da Universidade de Lisboa, durante o reinado de D. Dinis.

Foi durante o reinado de D. Dinis, de 1279 a 1325, que a aliança entre o povo, a burguesia e a Coroa portuguesa foi mais incentivada. Este monarca promoveu a unificação da língua em todo território, o uso do português em substituição ao latim nos documentos e a fundação da Universidade de Lisboa, depois transferida para Coimbra. E também foi ele que abrigou a Ordem dos Templários e a sua fortuna adquirida nas Cruzadas, quando o Papa dissolveu a ordem. Os recursos dos Templários serviram para a construção de poderosas caravelas e para a criação da Escola de Sagres, que foi muito importante para a realização das aventuras marítimas de Portugal.

Na luta do direito público contra o direito privado renascia o Direito Romano e se utilizava o Direito Canônico como subsidiário. D. Dinis reestruturou o serviço judiciário e criou o cargo de juiz: Havia o cargo de Juiz, que atuava na cidade, para julgar questões entre cidadãos e oficiais régios – os juízes alvazis dos avençais; os juízes dos judeus – que tratavam de problemas com os judeus que estavam sob a proteção real; e os juízes de órfãos, que tratava de tutorias e inventários de menores.

No reinado de D. Dinis o número de almotacés – inspetores de pesos e medidas, e que cuidavam da taxação e distribuição de gêneros alimentícios – foi ampliado; o cargo de Procurador do Concelho, para cuidar dos interesses públicos, foi criado. E, dessa maneira, o poder dos senhores de terra diminuiu, por não poderem mais aplicar o direito, julgar recursos ou apelações de sentenças; porque, daí em diante seriam examinadas pelas Cortes.

Referências bibliográficas:

      CORRÊA, Alexandre Augusto de Castro. “História do Direito Nacional desde a antiguidade até o código civil de 1916”. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010.pp. 65-80.

      BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. Notícia Histórica do Direito Penal no Brasil. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010. pp. 167-171.

      CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito. Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.130; 265-270.

      Coleção Brasil 500 Anos. Nº 1. Volume 1. SP: Editora Abril, 2000 [?]. pp.01-09.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Disciplina História do Direito – Por que estudá-la?


O fato do Direito poder ser identificado com os costumes, com a identidade cultural que organiza determinado povo, provoca a necessidade de se conhecer como se processou, como se construiu o conhecimento jurídico dessa determinada sociedade. A ordem jurídica de um povo, que vive em sociedade, se alimenta do acervo intelectual que ele cultiva ou que os setores gestores dominam - os elaboradores das leis, os técnicos e jurisconsultos -, e, especialmente, da experiência histórica que valorizam.

A disciplina “História do Direito” surgiu nas primeiras décadas do século XIX, na Alemanha, em meio a uma efervescência cultural de descobertas científicas, de revolução industrial, de valorização do racionalismo, do cientificismo. E, nesse sentido, a História do Direito é fruto desse movimento reconhecido como positivista, que forma um historicismo jurídico, quando a História é considerada uma ciência de fundamental importância para a reflexão do Direito, e que abre diálogo com outras áreas do conhecimento que o complementam; porque a disciplina História do Direito pretende atender a necessidade de cada povo buscar as origens de sua tradição jurídica; e, nesse movimento, o sentimento nacionalista favorecia essa compreensão.

Friedrich Carl von Savigny (1779 -1861), jurista alemão, e grande pesquisador do Direito Romano, foi o insistente professor da Universidade de Berlim que defendeu a ideia da criação dessa disciplina. Em 1815 fundou uma Revista de História da Ciência do Direito. Em 1885 a disciplina História do Direito já fazia parte do currículo dos cursos de Direito do Brasil. Com o advento da República veio a Reforma de Benjamim Constant em 1891 e a disciplina foi reafirmada no currículo dos cursos jurídicos; mas, em 1901, foi retirada, ficando ausente das faculdades brasileiras, enquanto disciplina específica, por todo o século XX. Contudo, o historicismo jurídico permaneceu influenciando o pensamento jurídico brasileiro.

A disciplina História do Direito é a oportunidade de refletir sobre as experiências passadas, considerar as mudanças e permanências, partindo de indagações e expectativas contemporâneas, ampliando, assim, as possibilidades de análise, solução e argumentação frente os embates presentes. É caminho para desvelar a identidade da cultura jurídica de uma nação, do que o Direito, a Justiça, é e significa hoje.

domingo, 18 de agosto de 2013

Introdução à História do Direito


Direito, da junção das palavras latinas Dis+rectum, que quer dizer muito reto, muito justo, muito certo. Direito é palavra de origem romana; que significa o que é muito justo, o que tem justiça.

No senso comum, Direito é o conjunto de normas e regras para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade (LAGES, Flávia. História do Direito. Geral e Brasil, 2011. P.02).

Desde que os seres humanos convivem em grupos sociais, que formem uma identidade própria caracterizando-se como uma sociedade culturalmente instituída, que o Direito revela-se fruto da necessidade de buscar soluções, de refletir e agir diante dos conflitos, das disputas, assim como, é caminho para se estabelecer limites entre os seres sociais, de normatizar a convivência social. Nesse sentido, o Direito não é algo que paira sobre a sociedade, como que sustentado por forças sobrenaturais. É certo que muitos povos antigos usaram de impor o Direito como algo de foro religioso. E, por muito tempo, o Direito no Brasil, e em Portugal, esteve entrelaçado com o Direito Canônico, quando Estado e Igreja se confundiam: nascer, casar e morrer eram estados formalizados pela Igreja Católica Apostólica Romana - no Brasil submetida ao Estado, por meio do sistema de padroado.

Mas, o que é importante frisar é que o Direito é construído culturalmente pelo povo, sua fonte são os costumes, e, sendo assim, o Direito é fruto da história, o que equivale considerar que tempo e espaço são características fundamentais do Direito, tempo e espaço sociais, ou seja, os seres sociais, enquanto agentes históricos, tornam possível o exercício e a reflexão do Direito considerando as demandas do seu tempo.

O Direito não é algo pronto e definitivo, é matéria que deve acompanhar as demandas do seu tempo e lugar, da sociedade que atende; é preciso corresponder às expectativas; daí a necessidade de constantes reformulações, revisões, correções.

Contudo, o Direito, a Justiça – a arte do bom e do equitativo, segundo o jurisconsulto romano Ulpiano, citando Celso [in LAGES, 2011. P.03]–, geralmente, é comprometido pelo regime de governo, pela forma como determinado povo se organiza social e politicamente, como compreende a disposição de poderes, como se atribui a cidadania. Segundo Jaime Pinsky, na obra História da Cidadania (SP: Contexto, 2009.p.09):

“Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar e ser votado, ter direitos políticos. Os direitos políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais”.

Dessa maneira, o que hoje consideramos como critérios válidos de cidadania, em outros tempos não eram compreendidos da mesma maneira. Cidadania é uma conquista historicamente construída. O que é considerado justo hoje, em época passadas se quer era imaginado; assim como, a aplicação da justiça nem sempre era percebida de maneira igual para todos - como muitas vezes ainda não o é -. Enfrentar a ordem vigente significava arriscar a própria vida, representava mais perdas [pessoais] do que ganhos. No entanto, as ditas “subversões” foram importantes movimentos para refazer a história e, consequentemente, as possibilidades do exercício pleno do Direito, no sentido do justo e do correto para o nosso tempo.