domingo, 25 de agosto de 2013

Origens e Fundamentos do Estado e do Direito Português.


Antes de o Império Romano conquistar e anexar (século II; 146 a.C.) a Península Ibérica, celtas, iberos, tartéssios, fenícios, gregos, celtiberos, lusitanos e cartagineses eram os povos que dominavam a região. Estes sofreram o processo de romanização, com a imposição das leis, cultura e organização político-administrativa romana. Os lusitanos foram os que mais resistiram e conseguiram manter traços de sua cultura original. Em 212 d.C. a Constituição Antoniana estendia a cidadania romana a todo Império; assim, na Península ibérica, como em outros lugares conquistados, houve a necessidade de pessoas conhecedoras do Direito Romano e de uma readaptação ao novo ordenamento, porque romanos e não-romanos eram tratados de maneira diferenciada pela Justiça antes de 212.

No século V d.C., com as invasões bárbaras, a Península recebia novas influencias. O Império Romano entrava em acordo com os Visigodos para expulsar os bárbaros. Em troca, poderiam dominar a região.

Até o século VII, a ordem jurídica da Península Ibérica se baseava numa dupla legislação: o Direito Romano e o Direito Visigótico, ambos adotavam o principio da Personalidade das Leis, ou seja, a responsabilidade penal era individual e não podia ser transmitida a terceiros. Os visigodos seguiam uma compilação de 476, o Código do rei Eurico, que teve a colaboração de alguns juristas de formação romana, e, assim, buscavam amenizar as controvérsias entre os povos que, naquele momento, conviviam e se assimilavam culturalmente. Mas, em 506, o rei Alarico II mandava redigir a Lex Romana Visigothorum, ou o Breviário de Alarico, com a finalidade de restaurar o Direito Romano Imperial, seguindo o Código do Imperador Romano Teodósio II (438 d.C.), mantendo o principio da Personalidade das Leis.

Entre os anos 482 e 565 d.C. o Imperador Bizantino Justiniano I (Romano do Oriente) compilou todas as leis romanas revisadas desde o século II e promulgou o Código Juris Civilis. Este serviu de base para que, em 654, o rei visigodo Recesvindo promulgasse um código unificador composto por doze livros: o Líber Judiciorum, que suprimia o princípio da Personalidade das Leis na ordem jurídica da Península Ibérica.

Em 711, os árabes muçulmanos invadiram a Península Ibérica, ou melhor, a Hispânia – como a Península era conhecida na época - em direção à França, contudo, foram contidos. Os árabes se estabeleceram no território Ibérico até o século XV. Sua influencia era mais cultural – idioma, arquitetura - e sentida, especialmente, por meio da mudança de nomes e denominações. Os árabes realizavam uma política de tolerância ao manterem as estrutura dos locais conquistados e respeitando as instituições existentes. O Direito muçulmano se baseava na crença, enquanto o visigótico na raça; assim manteve-se relativa autonomia administrativa e judiciária em alguns condados e territórios.

Todavia, em termos do Direito, os muçulmanos trouxeram instituições consagradas pelo Alcorão, que acabaram por influenciar a ordem jurídica da Península, entre elas, a vindicta privada – a Justiça Privada, que seria a vingança institucionalizada, pois, após o julgamento, era dado o direito a um individuo ou a um grupo de agir contra o que foi condenado pelo crime. Essa prática atrasou a ideia do Direito Público no Direito Português; coexistindo, assim, nos primeiros tempos do Reino de Portugal, a Justiça Pública aplicada por concelhos, senhores, juízes e pelo rei, e a Justiça Privada, exercida pelos parentes ou grupo da vítima.

O processo de construção do Direito português acompanha a história de Reconquista da Península Ibérica aos mouros; um movimento que atravessou os séculos XI, XII e XIII e culminou com a formação dos Estados Modernos de Portugal e Espanha. Enquanto os reinos de Castela, Aragão, Navarra e Leão lutavam pela reconquista de seus territórios, motivados por sua fé católica; na Itália, na cidade de Bolonha, em 1080, se formava um centro de estudos do Direito Romano, que se debruçou sobre o Corpus Juris Civilis do Imperador Bizantino Justiniano I. Esse centro ficou conhecido por Escola de Bolonha e exerceu grande influencia na época. Seus estudos resultaram em obras como a Magna Glosa, redigida por Acúrsio (1182-1357), que reunia os comentários – as glosas – mais importantes a respeito das leis romanas, assim como casos exemplificando as situações jurídicas; e um direito novo, moderno, que combinava o Corpus Juris com critérios novos do século XIV, especialmente representado por um dos seus maiores comentadores: Bartolo de Sassoferrato (1314-1357).

O Condado Portucalense era um dos feudos do Rei de Castela, que foi concedido, pelo casamento com uma de suas filhas, ao nobre francês Henrique de Borgonha, em recompensa pelos serviços prestados na Guerra de Reconquista. Em 1139 o Condado Portucalense formou-se reino, reconhecido pela Igreja, e com dinastia própria (Borgonha). O processo de reconquista continuou ainda por um bom tempo e a constante mobilização militar com a necessária figura do chefe do exército facilitou a centralização de poder em torno do rei, em detrimento dos senhores feudais.

“Como os territórios conquistados agregavam-se ao reino por meio de duras vitórias, os enviados para defendê-los deviam seguir as leis comuns a todos os outros, e não as próprias. Por fim, a herança das terras era subordinada ao critério do merecimento, adquirido na sua defesa ou expansão no combate com os mouros”. (Brasil 500 anos, nº 1,.p.07. Ed. Abril)

As instituições municipais faziam-se fortes e hierarquicamente submetidas ao rei e não a um nobre local: o soberano era o supremo juiz e as leis eram pra todos. Os camponeses, que viviam em regime de servidão, foram libertados; tornaram-se colonos livres que recebiam salário; a medida teve a intenção de evitar que a escassa mão de obra agrícola migrasse para as cidades. O Estado Português nasce moderno por combater o sistema feudal e por implantar uma burocracia muito organizada, responsável pela cobrança dos impostos que mantinham o Exército.

Em meio a essas lutas , em 1151, na Itália, motivado pelos estudos da Escola de Bolonha, o monge Graciano compilou todos os cânones, as leis e regras da Igreja Católica Apostólica Romana, o Direito Canônico, num código chamado Decretum. O Direito Canônico exerceu intensa influencia e interferência na vida social da Idade Média, devido a fraqueza dos reis no sistema feudal, que motivava uma relação política estreita entre Estado e Igreja. O direito Canônico gozava da mesma autoridade do Direito Romano, inclusive em matéria de direito das Obrigações e nos Direitos Penal e Processual, e enquanto ensino universitário.

A ordem jurídica do Reino de Portugal manteve-se por muito tempo sob a égide do Fuero Juzgo, ou leis dos Visigodos, baseada na Lex Romana Visigothorum. Mas, no século XIII, o rei de Castela, Afonso X, ordenou a compilação do Direito Romano e do Direito Canônico por juristas formados na Universidade de Salamanca. Esta compilação ficou conhecida como Ley de Las Siete Partidas; e também passou a ser válida no território português, conhecidas como “Leis romanas traduzidas em espanhol”, trabalho realizado por Reinículas ou Decisionistas da Universidade de Lisboa, durante o reinado de D. Dinis.

Foi durante o reinado de D. Dinis, de 1279 a 1325, que a aliança entre o povo, a burguesia e a Coroa portuguesa foi mais incentivada. Este monarca promoveu a unificação da língua em todo território, o uso do português em substituição ao latim nos documentos e a fundação da Universidade de Lisboa, depois transferida para Coimbra. E também foi ele que abrigou a Ordem dos Templários e a sua fortuna adquirida nas Cruzadas, quando o Papa dissolveu a ordem. Os recursos dos Templários serviram para a construção de poderosas caravelas e para a criação da Escola de Sagres, que foi muito importante para a realização das aventuras marítimas de Portugal.

Na luta do direito público contra o direito privado renascia o Direito Romano e se utilizava o Direito Canônico como subsidiário. D. Dinis reestruturou o serviço judiciário e criou o cargo de juiz: Havia o cargo de Juiz, que atuava na cidade, para julgar questões entre cidadãos e oficiais régios – os juízes alvazis dos avençais; os juízes dos judeus – que tratavam de problemas com os judeus que estavam sob a proteção real; e os juízes de órfãos, que tratava de tutorias e inventários de menores.

No reinado de D. Dinis o número de almotacés – inspetores de pesos e medidas, e que cuidavam da taxação e distribuição de gêneros alimentícios – foi ampliado; o cargo de Procurador do Concelho, para cuidar dos interesses públicos, foi criado. E, dessa maneira, o poder dos senhores de terra diminuiu, por não poderem mais aplicar o direito, julgar recursos ou apelações de sentenças; porque, daí em diante seriam examinadas pelas Cortes.

Referências bibliográficas:

      CORRÊA, Alexandre Augusto de Castro. “História do Direito Nacional desde a antiguidade até o código civil de 1916”. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010.pp. 65-80.

      BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. Notícia Histórica do Direito Penal no Brasil. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010. pp. 167-171.

      CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito. Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.130; 265-270.

      Coleção Brasil 500 Anos. Nº 1. Volume 1. SP: Editora Abril, 2000 [?]. pp.01-09.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Disciplina História do Direito – Por que estudá-la?


O fato do Direito poder ser identificado com os costumes, com a identidade cultural que organiza determinado povo, provoca a necessidade de se conhecer como se processou, como se construiu o conhecimento jurídico dessa determinada sociedade. A ordem jurídica de um povo, que vive em sociedade, se alimenta do acervo intelectual que ele cultiva ou que os setores gestores dominam - os elaboradores das leis, os técnicos e jurisconsultos -, e, especialmente, da experiência histórica que valorizam.

A disciplina “História do Direito” surgiu nas primeiras décadas do século XIX, na Alemanha, em meio a uma efervescência cultural de descobertas científicas, de revolução industrial, de valorização do racionalismo, do cientificismo. E, nesse sentido, a História do Direito é fruto desse movimento reconhecido como positivista, que forma um historicismo jurídico, quando a História é considerada uma ciência de fundamental importância para a reflexão do Direito, e que abre diálogo com outras áreas do conhecimento que o complementam; porque a disciplina História do Direito pretende atender a necessidade de cada povo buscar as origens de sua tradição jurídica; e, nesse movimento, o sentimento nacionalista favorecia essa compreensão.

Friedrich Carl von Savigny (1779 -1861), jurista alemão, e grande pesquisador do Direito Romano, foi o insistente professor da Universidade de Berlim que defendeu a ideia da criação dessa disciplina. Em 1815 fundou uma Revista de História da Ciência do Direito. Em 1885 a disciplina História do Direito já fazia parte do currículo dos cursos de Direito do Brasil. Com o advento da República veio a Reforma de Benjamim Constant em 1891 e a disciplina foi reafirmada no currículo dos cursos jurídicos; mas, em 1901, foi retirada, ficando ausente das faculdades brasileiras, enquanto disciplina específica, por todo o século XX. Contudo, o historicismo jurídico permaneceu influenciando o pensamento jurídico brasileiro.

A disciplina História do Direito é a oportunidade de refletir sobre as experiências passadas, considerar as mudanças e permanências, partindo de indagações e expectativas contemporâneas, ampliando, assim, as possibilidades de análise, solução e argumentação frente os embates presentes. É caminho para desvelar a identidade da cultura jurídica de uma nação, do que o Direito, a Justiça, é e significa hoje.

domingo, 18 de agosto de 2013

Introdução à História do Direito


Direito, da junção das palavras latinas Dis+rectum, que quer dizer muito reto, muito justo, muito certo. Direito é palavra de origem romana; que significa o que é muito justo, o que tem justiça.

No senso comum, Direito é o conjunto de normas e regras para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade (LAGES, Flávia. História do Direito. Geral e Brasil, 2011. P.02).

Desde que os seres humanos convivem em grupos sociais, que formem uma identidade própria caracterizando-se como uma sociedade culturalmente instituída, que o Direito revela-se fruto da necessidade de buscar soluções, de refletir e agir diante dos conflitos, das disputas, assim como, é caminho para se estabelecer limites entre os seres sociais, de normatizar a convivência social. Nesse sentido, o Direito não é algo que paira sobre a sociedade, como que sustentado por forças sobrenaturais. É certo que muitos povos antigos usaram de impor o Direito como algo de foro religioso. E, por muito tempo, o Direito no Brasil, e em Portugal, esteve entrelaçado com o Direito Canônico, quando Estado e Igreja se confundiam: nascer, casar e morrer eram estados formalizados pela Igreja Católica Apostólica Romana - no Brasil submetida ao Estado, por meio do sistema de padroado.

Mas, o que é importante frisar é que o Direito é construído culturalmente pelo povo, sua fonte são os costumes, e, sendo assim, o Direito é fruto da história, o que equivale considerar que tempo e espaço são características fundamentais do Direito, tempo e espaço sociais, ou seja, os seres sociais, enquanto agentes históricos, tornam possível o exercício e a reflexão do Direito considerando as demandas do seu tempo.

O Direito não é algo pronto e definitivo, é matéria que deve acompanhar as demandas do seu tempo e lugar, da sociedade que atende; é preciso corresponder às expectativas; daí a necessidade de constantes reformulações, revisões, correções.

Contudo, o Direito, a Justiça – a arte do bom e do equitativo, segundo o jurisconsulto romano Ulpiano, citando Celso [in LAGES, 2011. P.03]–, geralmente, é comprometido pelo regime de governo, pela forma como determinado povo se organiza social e politicamente, como compreende a disposição de poderes, como se atribui a cidadania. Segundo Jaime Pinsky, na obra História da Cidadania (SP: Contexto, 2009.p.09):

“Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar e ser votado, ter direitos políticos. Os direitos políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais”.

Dessa maneira, o que hoje consideramos como critérios válidos de cidadania, em outros tempos não eram compreendidos da mesma maneira. Cidadania é uma conquista historicamente construída. O que é considerado justo hoje, em época passadas se quer era imaginado; assim como, a aplicação da justiça nem sempre era percebida de maneira igual para todos - como muitas vezes ainda não o é -. Enfrentar a ordem vigente significava arriscar a própria vida, representava mais perdas [pessoais] do que ganhos. No entanto, as ditas “subversões” foram importantes movimentos para refazer a história e, consequentemente, as possibilidades do exercício pleno do Direito, no sentido do justo e do correto para o nosso tempo.