Recomendo a leitura do artigo A Lei da Boa Razão e a Formação do Direito Brasileiro. do Jornal Carta Forense.
Excelente leitura!
Este blog visa estimular o estudo, a reflexão e o conhecimento a respeito da história do Direito no Brasil.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
domingo, 25 de agosto de 2013
Origens e Fundamentos do Estado e do Direito Português.
Antes de o Império Romano conquistar
e anexar (século II; 146 a.C.) a Península Ibérica, celtas, iberos, tartéssios,
fenícios, gregos, celtiberos, lusitanos e cartagineses eram os povos que
dominavam a região. Estes sofreram o processo de romanização, com a imposição
das leis, cultura e organização político-administrativa romana. Os lusitanos
foram os que mais resistiram e conseguiram manter traços de sua cultura
original. Em 212 d.C. a Constituição Antoniana estendia a cidadania romana a
todo Império; assim, na Península ibérica, como em outros lugares conquistados,
houve a necessidade de pessoas conhecedoras do Direito Romano e de uma
readaptação ao novo ordenamento, porque romanos e não-romanos eram tratados de
maneira diferenciada pela Justiça antes de 212.
No século V d.C., com as invasões
bárbaras, a Península recebia novas influencias. O Império Romano entrava em
acordo com os Visigodos para expulsar os bárbaros. Em troca, poderiam
dominar a região.
Até o século VII, a ordem jurídica da
Península Ibérica se baseava numa dupla legislação: o Direito Romano e o Direito
Visigótico, ambos adotavam o principio da Personalidade das Leis, ou seja, a
responsabilidade penal era individual e não podia ser transmitida a terceiros.
Os visigodos seguiam uma compilação de 476, o Código do rei Eurico, que teve a colaboração de alguns juristas de
formação romana, e, assim, buscavam amenizar as controvérsias entre os povos
que, naquele momento, conviviam e se assimilavam culturalmente. Mas, em 506, o
rei Alarico II mandava redigir a Lex
Romana Visigothorum, ou o Breviário de Alarico, com a finalidade de
restaurar o Direito Romano Imperial, seguindo o Código do Imperador Romano
Teodósio II (438 d.C.), mantendo o principio da Personalidade das Leis.
Entre os anos 482 e 565 d.C. o
Imperador Bizantino Justiniano I (Romano do Oriente) compilou todas as leis
romanas revisadas desde o século II e promulgou o Código Juris Civilis. Este serviu de base para que, em 654, o rei
visigodo Recesvindo promulgasse um código unificador composto por doze livros: o Líber Judiciorum, que suprimia o
princípio da Personalidade das Leis na ordem jurídica da Península Ibérica.
Em 711, os árabes muçulmanos invadiram
a Península Ibérica, ou melhor, a Hispânia – como a Península era conhecida na
época - em direção à França, contudo, foram contidos. Os árabes se estabeleceram
no território Ibérico até o século XV. Sua influencia era mais cultural –
idioma, arquitetura - e sentida, especialmente, por meio da mudança de nomes e
denominações. Os árabes realizavam uma política de tolerância ao manterem as
estrutura dos locais conquistados e respeitando as instituições existentes. O Direito
muçulmano se baseava na crença, enquanto o visigótico na raça; assim
manteve-se relativa autonomia administrativa e judiciária em alguns condados e
territórios.
Todavia, em termos do Direito, os
muçulmanos trouxeram instituições consagradas pelo Alcorão, que acabaram por
influenciar a ordem jurídica da Península, entre elas, a vindicta privada – a Justiça Privada, que seria a vingança
institucionalizada, pois, após o julgamento, era dado o direito a um individuo
ou a um grupo de agir contra o que foi condenado pelo crime. Essa prática
atrasou a ideia do Direito Público no Direito Português; coexistindo, assim,
nos primeiros tempos do Reino de Portugal, a Justiça Pública aplicada por concelhos, senhores, juízes e pelo rei,
e a Justiça Privada, exercida pelos parentes ou grupo da vítima.
O processo de construção do Direito
português acompanha a história de Reconquista da Península Ibérica aos mouros;
um movimento que atravessou os séculos XI, XII e XIII e culminou com a formação
dos Estados Modernos de Portugal e Espanha. Enquanto os reinos de Castela,
Aragão, Navarra e Leão lutavam pela reconquista de seus territórios, motivados
por sua fé católica; na Itália, na cidade de Bolonha, em 1080, se formava um
centro de estudos do Direito Romano, que se debruçou sobre o Corpus Juris
Civilis do Imperador Bizantino Justiniano I. Esse centro ficou conhecido por Escola de Bolonha e exerceu grande
influencia na época. Seus estudos resultaram em obras como a Magna Glosa, redigida por Acúrsio
(1182-1357), que reunia os comentários – as glosas – mais importantes a respeito
das leis romanas, assim como casos exemplificando as situações jurídicas; e um direito
novo, moderno, que combinava o Corpus Juris com critérios novos do século
XIV, especialmente representado por um dos seus maiores comentadores: Bartolo de Sassoferrato (1314-1357).
O Condado Portucalense era um dos
feudos do Rei de Castela, que foi concedido, pelo casamento com uma de suas
filhas, ao nobre francês Henrique de Borgonha, em recompensa pelos serviços
prestados na Guerra de Reconquista. Em 1139 o Condado Portucalense formou-se
reino, reconhecido pela Igreja, e com dinastia própria (Borgonha). O processo
de reconquista continuou ainda por um bom tempo e a constante mobilização
militar com a necessária figura do chefe do exército facilitou a centralização
de poder em torno do rei, em detrimento dos senhores feudais.
“Como os territórios conquistados agregavam-se ao reino por meio de duras
vitórias, os enviados para defendê-los deviam seguir as leis comuns a todos os
outros, e não as próprias. Por fim, a herança das terras era subordinada ao
critério do merecimento, adquirido na sua defesa ou expansão no combate com os
mouros”. (Brasil 500
anos, nº 1,.p.07. Ed. Abril)
As instituições municipais faziam-se
fortes e hierarquicamente submetidas ao rei e não a um nobre local: o soberano
era o supremo juiz e as leis eram pra todos. Os camponeses, que viviam em
regime de servidão, foram libertados; tornaram-se colonos livres que recebiam
salário; a medida teve a intenção de evitar que a escassa mão de obra agrícola migrasse
para as cidades. O Estado Português nasce moderno por combater o sistema feudal
e por implantar uma burocracia muito organizada, responsável pela cobrança dos
impostos que mantinham o Exército.
Em meio a essas lutas , em 1151, na
Itália, motivado pelos estudos da Escola de Bolonha, o monge Graciano compilou
todos os cânones, as leis e regras da Igreja Católica Apostólica Romana, o Direito Canônico, num código chamado Decretum.
O Direito Canônico exerceu intensa influencia e interferência na vida social da
Idade Média, devido a fraqueza dos reis no sistema feudal, que motivava uma
relação política estreita entre Estado e Igreja. O direito Canônico gozava da
mesma autoridade do Direito Romano, inclusive em matéria de direito das
Obrigações e nos Direitos Penal e Processual, e enquanto ensino universitário.
A ordem jurídica do Reino de Portugal
manteve-se por muito tempo sob a égide do
Fuero Juzgo, ou leis dos Visigodos, baseada
na Lex Romana Visigothorum. Mas, no
século XIII, o rei de Castela, Afonso X, ordenou a compilação do Direito
Romano e do Direito Canônico por juristas formados na Universidade de Salamanca.
Esta compilação ficou conhecida como Ley
de Las Siete Partidas; e também passou a ser válida no território português,
conhecidas como “Leis romanas traduzidas em espanhol”, trabalho realizado por
Reinículas ou Decisionistas da Universidade de Lisboa, durante o reinado de D.
Dinis.
Foi durante o reinado de D. Dinis, de
1279 a 1325, que a aliança entre o povo, a burguesia e a Coroa portuguesa foi
mais incentivada. Este monarca promoveu a unificação da língua em todo
território, o uso do português em substituição ao latim nos documentos e a
fundação da Universidade de Lisboa, depois transferida para Coimbra. E também
foi ele que abrigou a Ordem dos Templários e a sua fortuna adquirida nas
Cruzadas, quando o Papa dissolveu a ordem. Os recursos dos Templários serviram
para a construção de poderosas caravelas e para a criação da Escola de Sagres,
que foi muito importante para a realização das aventuras marítimas de Portugal.
Na luta do direito público contra o
direito privado renascia o Direito Romano e se utilizava o Direito Canônico
como subsidiário. D.
Dinis reestruturou o serviço judiciário e criou o cargo de juiz: Havia o cargo
de Juiz, que atuava na cidade, para julgar questões entre cidadãos e oficiais
régios – os juízes alvazis dos avençais;
os juízes dos judeus – que tratavam de problemas com os judeus que estavam sob
a proteção real; e os juízes de órfãos, que tratava de tutorias e inventários
de menores.
No reinado de D. Dinis o número de
almotacés – inspetores de pesos e medidas, e que cuidavam da taxação e
distribuição de gêneros alimentícios – foi ampliado; o cargo de Procurador do
Concelho, para cuidar dos interesses públicos, foi criado. E, dessa maneira, o
poder dos senhores de terra diminuiu, por não poderem mais aplicar o direito,
julgar recursos ou apelações de sentenças; porque, daí em diante seriam
examinadas pelas Cortes.
Referências
bibliográficas:
•
CORRÊA,
Alexandre Augusto de Castro. “História do Direito Nacional desde a antiguidade
até o código civil de 1916”. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito
Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010.pp.
65-80.
•
BUENO,
Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. Notícia Histórica do Direito Penal no
Brasil. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da
Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010. pp. 167-171.
•
CASTRO,
Flávia Lages de. História do Direito.
Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.130; 265-270.
•
Coleção
Brasil 500 Anos. Nº 1. Volume 1. SP:
Editora Abril, 2000 [?]. pp.01-09.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
A Disciplina História do Direito – Por que estudá-la?
O fato do Direito poder ser
identificado com os costumes, com a identidade cultural que organiza
determinado povo, provoca a necessidade de se conhecer como se processou, como se
construiu o conhecimento jurídico dessa determinada sociedade. A ordem jurídica
de um povo, que vive em sociedade, se alimenta do acervo intelectual que ele cultiva
ou que os setores gestores dominam - os elaboradores das leis, os técnicos e
jurisconsultos -, e, especialmente, da experiência histórica que valorizam.
A disciplina “História do Direito” surgiu
nas primeiras décadas do século XIX, na Alemanha, em meio a uma efervescência
cultural de descobertas científicas, de revolução industrial, de valorização do
racionalismo, do cientificismo. E, nesse sentido, a História do Direito é fruto
desse movimento reconhecido como positivista, que forma um historicismo jurídico,
quando a História é considerada uma ciência de fundamental importância para a
reflexão do Direito, e que abre diálogo com outras áreas do conhecimento que o
complementam; porque a disciplina História do Direito pretende atender a necessidade
de cada povo buscar as origens de sua tradição jurídica; e, nesse movimento, o
sentimento nacionalista favorecia essa compreensão.
Friedrich Carl von Savigny (1779
-1861), jurista alemão, e grande pesquisador do Direito Romano, foi o
insistente professor da Universidade de Berlim que defendeu a ideia da criação
dessa disciplina. Em 1815 fundou uma Revista de História da Ciência do Direito.
Em 1885 a disciplina História do Direito já fazia parte do currículo dos cursos
de Direito do Brasil. Com o advento da República veio a Reforma de Benjamim
Constant em 1891 e a disciplina foi reafirmada no currículo dos cursos
jurídicos; mas, em 1901, foi retirada, ficando ausente das faculdades
brasileiras, enquanto disciplina específica, por todo o século XX. Contudo, o
historicismo jurídico permaneceu influenciando o pensamento jurídico
brasileiro.
A disciplina História do Direito é a
oportunidade de refletir sobre as experiências passadas, considerar as mudanças
e permanências, partindo de indagações e expectativas contemporâneas,
ampliando, assim, as possibilidades de análise, solução e argumentação frente os
embates presentes. É caminho para desvelar a identidade da cultura jurídica de
uma nação, do que o Direito, a Justiça, é e significa hoje.
domingo, 18 de agosto de 2013
Introdução à História do Direito
Direito, da
junção das palavras latinas Dis+rectum, que quer dizer muito reto, muito justo,
muito certo. Direito é palavra de origem romana; que significa o que é muito
justo, o que tem justiça.
No senso
comum, Direito é o conjunto de normas e regras para a aplicação da justiça e a
minimização de conflitos de uma dada sociedade (LAGES, Flávia. História do
Direito. Geral e Brasil, 2011. P.02).
Desde que os
seres humanos convivem em grupos sociais, que formem uma identidade própria
caracterizando-se como uma sociedade culturalmente instituída, que o Direito
revela-se fruto da necessidade de buscar soluções, de refletir e agir diante
dos conflitos, das disputas, assim como, é caminho para se estabelecer limites
entre os seres sociais, de normatizar a convivência social. Nesse sentido, o
Direito não é algo que paira sobre a sociedade, como que sustentado por forças
sobrenaturais. É certo que muitos povos antigos usaram de impor o Direito como
algo de foro religioso. E, por muito tempo, o Direito no Brasil, e em Portugal,
esteve entrelaçado com o Direito Canônico, quando Estado e Igreja se confundiam:
nascer, casar e morrer eram estados formalizados pela Igreja Católica
Apostólica Romana - no Brasil submetida ao Estado, por meio do sistema de
padroado.
Mas, o que é
importante frisar é que o Direito é construído culturalmente pelo povo, sua
fonte são os costumes, e, sendo assim, o Direito é fruto da história, o que
equivale considerar que tempo e espaço são características fundamentais do
Direito, tempo e espaço sociais, ou seja, os seres sociais, enquanto agentes
históricos, tornam possível o exercício e a reflexão do Direito considerando as
demandas do seu tempo.
O Direito não
é algo pronto e definitivo, é matéria que deve acompanhar as demandas do seu
tempo e lugar, da sociedade que atende; é preciso corresponder às expectativas;
daí a necessidade de constantes reformulações, revisões, correções.
Contudo, o
Direito, a Justiça – a arte do bom e do equitativo, segundo o jurisconsulto
romano Ulpiano, citando Celso [in LAGES, 2011. P.03]–, geralmente, é
comprometido pelo regime de governo, pela forma como determinado povo se
organiza social e politicamente, como compreende a disposição de poderes, como
se atribui a cidadania. Segundo Jaime Pinsky, na obra História da Cidadania
(SP: Contexto, 2009.p.09):
“Ser cidadão é ter direito à vida, à
liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos
civis. É também participar no destino da sociedade, votar e ser votado, ter
direitos políticos. Os direitos políticos não asseguram a democracia sem os direitos
sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva:
o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice
tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais”.
Dessa maneira,
o que hoje consideramos como critérios válidos de cidadania, em outros tempos
não eram compreendidos da mesma maneira. Cidadania é uma conquista
historicamente construída. O que é considerado justo hoje, em época passadas se
quer era imaginado; assim como, a aplicação da justiça nem sempre era percebida
de maneira igual para todos - como muitas vezes ainda não o é -. Enfrentar a
ordem vigente significava arriscar a própria vida, representava mais perdas
[pessoais] do que ganhos. No entanto, as ditas “subversões” foram importantes
movimentos para refazer a história e, consequentemente, as possibilidades do
exercício pleno do Direito, no sentido do justo e do correto para o nosso
tempo.
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