Histórias do Direito Brasileiro
Este blog visa estimular o estudo, a reflexão e o conhecimento a respeito da história do Direito no Brasil.
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Direito Português no Brasil Colônia – 2ª parte.
O sistema de
Capitanias Hereditárias não funcionou por muito tempo. O empreendimento
colonial não pode se manter apenas com o capital privado. Foram poucos os
donatários que assumiram seus lotes, muitos deles enviaram ouvidores em seu
lugar, a ocupação se deu de maneira muito dispersa e pouco lucrativa para a
Coroa.
A Coroa
portuguesa resolveu transpor para a colônia o modelo de administração municipal
da Metrópole, no sentido de ter maior controle das terras coloniais e buscar
melhores resultados econômicos. Então, em 1548 foi criado o Governo-Geral e em 1549 foi implantado
no Brasil, com sede em Salvador, sendo o primeiro Governador-Geral Tomé de Sousa,
que veio acompanhado do Desembargador Pero Borges para desempenhar a função de Ouvidor-Mor. É o marco inicial da
estruturação do judiciário brasileiro.
A diferença com relação ao sistema de
capitanias é que os donatários, que antes possuíam poderes praticamente
soberanos, estariam sujeitos, a partir de então, ao Governo-Geral; e os
Governadores-gerais estariam diretamente
sujeitos ao poder metropolitano.
Contudo, o poder do governador era
limitado por normas muito precisas e rigorosas, e devia prestar contas
detalhadas, especialmente, ao fim do mandato. Havia uma fiscalização rotineira
dos feitos do governo-geral, porque se vivia um contexto de desconfiança do
governo central com relação aos seus agentes, em razão de desleixos,
incapacidades e desonestidades entre eles; há de se levar em conta as
distancias e as dificuldades de comunicação, que facilitavam toda sorte de
desmandos.
Um Regimento estabelecia quais as competências
do Governador-Geral; seriam: cuidar da defesa da terra contra ataques construindo
e conservando fortes e muros, bem como, armando os colonos; favorecer o
estabelecimento de engenhos de cana de açúcar; empreender expedições exploradoras;
proteger os interesses da Coroa com relação ao pau-brasil e aos impostos; fazer
aliança com os índios e auxiliar em sua catequese – o governador devia evitar
a sua escravização, e doar terras aos índios com a intenção de os integrar
no sistema produtivo colonial.
O índio era uma questão difícil a ser
tratada pelo Governador, visto que os interesses e a visão de colonos e Coroa
portuguesa entravam em conflito. Para os colonos o índio era mão de obra
abundante e barata, para a Coroa os índios deveriam ser tratados como
colaboradores na ocupação do território; mas, essa visão não se justificava
pela intervenção papal em favor do índio em 1537, mas sim pelos interesses de Portugal
no comércio lucrativo de escravos da África: a colônia era um consumidor em
potencial do tráfico negreiro, que se desenvolvia e estaria liberado oficialmente
para o Brasil em 1559. E para reforçar esse conflito entre interesses
metropolitanos e colonos estavam os jesuítas a defender os índios e protege-los
em suas missões, ou reduções, ou melhor, suas propriedades agrícolas, nas quais
os índios seriam a mão-de-obra principal.
O Provedor-Mor da Fazenda (tributos e
cargos), o Capitão-Mor da Costa (defesa) e o Ouvidor-Mor (Justiça) eram os
principais auxiliares do Governador-Geral.
O Ouvidor-Mor exercia, na verdade,
uma função jurídico-administrativa. Ele era a autoridade máxima da Justiça na
colônia, mas, dependendo da personalidade do Governador-Geral e dos interesses
em jogo, as atribuições do Ouvidor-Mor poderiam se confundir ou sobrepor. A
princípio, o Ouvidor-Mor era independente, mas, depois, a função vinculou-se
com a do Governador-Geral, exercendo as seguintes atribuições:
“examinar conflitos de jurisdição em grau de recurso de apelação ou
agravo; limitar o excesso de jurisdição dos donatários, emitir alvarás para
soltura dos culpados em crimes, para busca aos carcereiros, para fazerem fintas
nas obras públicas dos Conselhos, para seguir apelação e agravo sem que
houvesse embargo ou falta de preparo, para entrega de fazenda e ausentes, para
possibilitar realizar prova de direito comum em contratos ou alvarás de fiança;
vigiar, fiscalizar e punir os donatários que tenham agido por força ou extorsão
pública ou criado obstáculos à atividade judiciária; guardar provisão da Mesa
de consciência e Ordens sobre dinheiro de pessoas já falecidas, cativos e
ausentes”. (CASTRO,
Flávia Lages de. História do Direito.
Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.305-306).
Algumas atribuições, como anistiar ou
castigar os réus, só cabiam ao Ouvidor-Mor, este poderia aplicar até a pena de
morte em escravos, índios e peões cristãos livres; mas, no caso da pena máxima
teria que despachar com o Governador, mas, se houvesse discordância entre eles,
levariam o caso ao Corregedor da Corte. Nas pessoas de “maior qualidade”
poderia aplicar até cinco anos de degredo, excluindo-se de sua ação as pessoas eclesiásticas.
Formalmente, estavam assim
organizados, mas, na prática, topavam com muitas dificuldades. Portugal cometeu
o erro de transpor o modelo de administração da Metrópole para o Brasil tal e
qual, apenas com relação aos impostos houve uma adequação. Não levaram em conta
o tamanho do território e as dificuldades de comunicação. Centralizaram e
concentraram o poder e as autoridades em capitais e sedes, enquanto o resto do
território ficava praticamente desgovernado, no melhor dos casos, a Justiça estava
à mercê da incompetência de leigos como eram os juízes ordinários.
As vilas possuíam uma série de cargos
jurídicos: almotacéis, juiz ordinários, etc, mas de uma jurisdição imensa. Para
amenizar a dificuldade em dar conta de todo o território, a administração portuguesa
realizava a prática das Correições e das Visitações, que eram excursões
administrativas que deveriam atingir todos os recantos da jurisdição. Estas
visitações aconteciam raramente e, geralmente, tinham como objetivos
fiscalizar, supervisionar ou auditar recursos. Os ocupantes desses cargos
jurídicos também não se limitavam a questões de Justiça, mas assumiam também
funções administrativas.
A estrutura judiciária no Brasil
colônia estava assim disposta, por ordem decrescente de importância: Ouvidor, Juiz
Ordinário ou da Terra, Juiz de Vintena, Almotacéis, Juiz de Fora e Juiz de
Órfãos. O órgão máximo era a Casa de Suplicação, que ficava em Lisboa; depois
vinham o Desembargo do Paço, a Casa do Porto, a Mesa de Consciência e Ordens, o
Conselho Ultramarino, a Junta de Comércio, o Conselho do Almirantado, o
Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do
Santo Ofício.
domingo, 15 de setembro de 2013
Direito Português no Brasil Colônia – 1ª parte.
O continente americano foi objeto de
disputa jurídica entre as grandes potências marítimas Portugal e Espanha nos
séculos XV-XVI, antes mesmo de ser oficialmente encontrado.
O Tratado de Toledo (1480), a Bula
Inter Coetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494) são os primeiros
documentos que resguardam os direitos de conquista e ocupação dos novos
territórios para Portugal e Espanha. Estes documentos demonstram a
intencionalidade da “descoberta”. Pedro Alvares Cabral aproveitou um desvio de
sua viagem comercial as Índias para, em nome da Coroa Portuguesa, ocupar
oficialmente as terras que iniciariam o atual Brasil, erguendo assim um marco com
o selo português e fincando a primeira cruz da fé católica.
Os primeiros tempos da Terra de Santa
Cruz foram de exploração e reconhecimento. No início do século XVI o
mercantilismo português ainda se voltava para os produtos do Oriente, a prática
mercantilista se organizava no sistema de monopólios, mas o crescente fluxo de
metais, ouro e prata, encontrados pela Espanha em suas colônias americanas,
incentivava o monetarismo, e, consequentemente, a busca pelos metais preciosos.
Mas, Portugal não teve o prazer de encontrar riquezas minerais em seus primeiros
tempos de ocupação. Teve que se contentar com a exploração extrativista do
pau-brasil, das drogas do sertão e de animais da Mata Atlântica. Em 1506, o
Papa Júlio II confirmava a ocupação dessas terras por Portugal usando como
referência o Tratado de Tordesilhas.
Assim, podemos considerar a feitoria como a primeira instituição
jurídico-administrativa no Brasil; e estava presente em vários pontos do
litoral: Itamaracá, Igarassu, Baía de Todos os Santos, Cabo Frio e Rio de
Janeiro. A feitoria não era apenas um entreposto comercial, onde se armazenavam
os produtos da atividade extrativista. O feitor,
o responsável pelo entreposto, era possuidor de uma autoridade. Uma autoridade
limitada pelo ambiente selvagem no qual estava inserido.
“Cabia ao feitor evitar a deserção de marinheiros, receber produtos da
terra que seriam enviados ao Reino e tentar impedir que embarcassem, sem
autorização, indígenas escravizados e, sobretudo, mulheres brancas” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato.
Uma Breve História do Brasil. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2010. p. 40)
Os produtos
da terra eram fruto do escambo com os índios. Os portugueses se depararam com
milhares de pessoas de uma cultura que consideraram atrasada, e que demonstrava
uma grande diversidade de línguas e costumes. Na opinião dos conquistadores
portugueses, o modo de vida indígena destoava completamente dos padrões da
civilização europeia: sem fé, sem rei e sem lei, e, podemos acrescentar, sem
roupa, o que escandalizou os portugueses.
Quando os portugueses tomaram posse do
Brasil, as Ordenações Afonsinas ainda
estavam em vigor, e estas puniam com o degredo cerca de duzentos delitos, entre
eles cortar árvores de fruto, comprar colmeias para matar abelhas, trapaças em
jogos, ofensas à realeza, infrações do código moral e perturbações da ordem
pública. As terras novas do Brasil, selvagens e repletas índios, muitos deles
praticantes do ritual da antropofagia, tornaram-se destino de muitos dos
condenados ao degredo. Apesar de a pena variar de cinco anos à vida inteira,
muitas vezes o degredado ficava para sempre no Brasil, porque a Coroa os
esquecia.
Além dos degredados, náufragos e
aventureiros aportaram no litoral brasileiro e mantiveram relação estreita com
os índios, inclusive de casamento. Os mais famosos foram: João Ramalho, que
vivia entre os índios guaianás, no topo da Serra do Mar, no atual estado de São
Paulo, e que casou com Bartira ou Potira, filha do chefe indígena Tibiriçá; e
Diogo Alvares Correia, o Caramuru, que vivia entre os tupinambás na Bahia e
casou com a índia Paraguaçu, também filha de um chefe tribal.
De início a relação foi até certo
ponto amistosa com alguns grupos; de reconhecimento, baseada na troca de
objetos, de mercadorias, que interessavam a ambos. A ponto de iniciar um
processo de aculturação: o europeu assimilando o modo de viver indígena. Mas, a expedição colonizadora de Martim Afonso
de Sousa vem relembrar a realidade da civilização para esses europeus; com
a autoridade que lhe é conferida pela Coroa, Martim delimita o espaço entre
civilização e barbárie, impõe normas de comportamento compatíveis com o modo de
viver cristão, como celebrar matrimônio, respeitar as leis do Reino, usar
vestimentas, jejuar nos dias prescritos, etc. e ergue vila equipada de acordo com
os padrões portugueses: com capela, Câmara e cadeia.
O conflito com os índios torna-se
mais grave a medida que a exploração se torna mais explícita, a ocupação do
território avança, e a escravidão se anuncia para os indígenas, especialmente incentivada
pela guerra tribal, que, muitas vezes, era estimulada pelo próprio europeu. E
esta nova fase aconteceu com mais vigor quando Portugal decidiu ocupar o
território de maneira mais racional e produtiva, e estabeleceu as Capitanias Hereditárias.
As expedições guarda-costas não
estavam sendo suficientes para controlar o imenso litoral e proteger a colônia
dos interesses de outros povos europeus. Corsários e piratas assaltavam a Costa
causando grandes prejuízos à Coroa; e, diante da impossibilidade imediata da
exploração de minérios, dos gastos em manter os domínios na Ásia, dos luxos da
Corte e da perda de entrepostos de comércio na Ásia, o melhor caminho seria
incentivar o povoamento da colônia no sentido de combater o contrabando e
preservar os interesses portugueses.
A implantação das Capitanias
Hereditárias esbarra, no entanto, na dificuldade do Rei de Portugal em
encontrar candidatos que assumissem tal empreendimento de risco. Foi a pequena
fidalguia que atendeu à convocação do Rei, mesmo assim, apenas duas capitanias
foram de fato ocupadas por seus donatários, Duarte Coelho e Martim Afonso de
Sousa; e, realmente, apesar de todas as dificuldades e desinteresse da Coroa -
que estava em busca do ouro -, apenas Nova Lusitânia (Pernambuco) e São Vicente
(São Paulo) prosperaram.
Em Portugal já havia a Lei de Sesmarias (1375), que
estabelecia a concessão de três léguas de terras para incentivar o cultivo de
agricultura de subsistência, caso não houvesse produção a terra seria devolvida
à Coroa. Com a instituição das Capitanias Hereditárias, o capitão-donatário
tinha como uma de suas atribuições a concessão de sesmarias; mas, no Nordeste
os lotes de terras extrapolaram as três léguas, e no Sul foi estabelecido
conforme a lei.
Dois documentos formalizavam a
autoridade, os direitos e os deveres do donatário e da povoação: a Carta de Doação e o Foral. A Carta de Doação
formalizava os limites de terras e jurisdição do donatário; dava posse da
capitania, ou governança, e suas rendas ao capitão-donatário, ou governador. Pela
Carta Foral ou Foro se estabelecia a jurisdição civil e criminal do
donatário sobre escravos, homens livres e índios, o autorizava a fundar vilas, nomear
cargos, lançar taxas e tributos e deter monopólio, no caso do açúcar, conceder
sesmarias – exceto à mulher ou ao filho herdeiro da capitania – receber munições
e comunicar-se com as outras capitanias; estava proibido de dividir o território.
O Foral regulava também a vida coletiva do povoado; todos deveriam ser
católicos, prestar serviço militar em caso de guerra e não fazer comércio com
índios. O Foral também tratava dos monopólios de pau-brasil, especiarias,
drogas do sertão e sobre o quinto da Coroa referente à extração de metais e
pedras preciosas.
A colonização portuguesa no Brasil
foi um empreendimento complexo e de alto custo, que exigia a implantação de um
aparelho administrativo e militar adequado, e nesse sentido, a sociedade, ou a
convergência de interesses, entre Rei e burguesia comercial foi de e extrema importância.
Foi estabelecido um Pacto Colonial, ou seja, um regime de exclusividade de
relações comerciais e administrativas com a metrópole portuguesa. A colônia
deveria apenas corresponder às expectativas da Coroa, nesse sentido, não
poderia realizar manufaturas ou fábricas, a não ser do açúcar, e consumir
apenas os produtos provenientes do Reino. Mantinha-se, portanto, a colônia em
total dependência da Metrópole.
É montada a
empresa da agroindústria açucareira exportadora: latifúndio monocultor movido à
mão-de-obra escrava; também conhecido como sistema de Plantation. Inicia com a
escravidão indígena, mas em 1570, em respeito à Bula do Papa Paulo III de 1537,
o rei Dom Sebastião proíbe o apresamento de indígenas para a escravidão, a não
ser como resultado das Guerras Bárbaras, ou dos Gentios. Em 1559 o rei de
Portugal autorizou oficialmente o tráfico escravo da África para o Brasil;
limitando a compra de uma centena escravos por senhor de engenho. Escravos da
África já eram utilizados em outras colônias, no Brasil Martim Afonso já havia
conduzido alguns, e Duarte Coelho havia solicitado autorização para comprar uma
leva de 120 escravos da Guiné em 1542.
domingo, 1 de setembro de 2013
As Ordenações Portuguesas - Séculos XV-XVII
Ordenações – atos emanados do poder
executivo através dos quais, na Península Ibérica medieval, eram promulgadas
normas, decisões e outras medidas destinadas a regulamentar os mais diferentes
assuntos. Ou coletâneas de preceitos ou códigos oficiais referentes,
predominantemente, ao direito português e espanhol (AZEVEDO, Antônio Carlos do
Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. RJ: Nova Fronteira,
1990. P. 291. In LAGES, 2011. P. 270-271).
Portugal promulgou três ordenações: as Afonsinas, as Manuelinas e as
Filipinas. O
principal objetivo dessas ordenações era criar uma ordem jurídica própria, não
mais dependente da legislação espanhola [de Castela]. Essa necessidade
tornou-se mais intensa com a Revolução de Avis (1383-1385), que foi uma crise
de sucessão ao trono português, em que Castela reivindicou direitos de ocupar o
trono e, consequentemente, anexar Portugal a Espanha. João, filho bastardo de
D. Pedro I com Teresa Lourenço, uma mulher do povo, mestre da ordem de Avis,
ascendeu ao trono com o apoio da burguesia mercantil.
Com D. João I iniciaram-se a
compilação das leis, resoluções régias, petições, etc. que já existiam e
formaram as ordenações, que só foram concluídas em 1446, no reinado de D.
Afonso V, daí ficarem conhecidas como Afonsinas.
Estas ordenações expressam a preocupação em fortalecer o Estado, na pessoa do
rei, e diminuir e acabar com as várias leis dispersas pelo reino, que chegavam
a concorrer entre si. Composta por cinco livros; apenas o quinto é decretório
ou legislativo, porque não se apoia em nenhuma fonte, e é o que aborda o
direito e o processo penal. O primeiro se refere aos cargos públicos; o segundo
sobre o Direito Eclesiástico, donatários, nobreza, mouros e judeus; o terceiro
era sobre o processo civil; e o quarto sobre o direito civil.
Com as Ordenações Afonsinas a
estrutura judiciária estabeleceu-se da seguinte maneira: magistrados
singulares, magistrados específicos e tribunais colegiados de segundo e
terceiro graus de jurisdição.
Magistrados singulares eram: os Juízes Ordinários – bacharéis em Direito eleitos pela Câmara
Municipal; os Juízes de Fora – bacharéis
em Direito nomeados pelo Rei, possíveis substitutos dos Juízes Ordinários; os Juízes de Órfãos – cuidavam dos
interesses referentes a menores, inventários e tutorias; os Juízes de Vintena – juízes de paz a
serviço de comunidades com até vinte famílias; os Almotacéis – apreciavam litígios sobre servidão urbana e crimes praticados
por funcionários corruptos; os Juízes de
Sesmaria – sobre questão de terras; e os Juízes de Alvazis dos avençais e dos Judeus – que deviam resolver
questões entre funcionários régios e judeus.
Os Tribunais Colegiados de Segundo
Grau eram compostos pelo: Desembargo
do Paço – onde se apreciavam questões cíveis sobre liberdade dos indivíduos,
como graça, perdão, indulto, privilégios etc; o Conselho da Fazenda – tratava de litígios sobre a arrecadação de
tributos; e a Mesa de Consciência e
Ordem – que apreciava os recursos dos demais juízes.
O Tribunal Colegiado de 3º Grau
era a Casa de Suplicação, que era a
última instância da Justiça com competência delimitada.
O rei ocupava o mais alto cargo da
Justiça. Ele era o
governador da Casa da Justiça na Corte. Era o rei que definia os dias de
trabalho e distribuía os Desembargadores, Juízes dos Feitos, Procuradores, Corregedores
da Corte e Ouvidores.
Os Juízes dos Feitos realizava audiências nos Tribunais de Relação e
nas Mesas de Consciência. O Corregedor da Corte examinava contas dos Concelhos,
Albergarias, Juízes de Órfãos etc, e podia atender a demandas de pessoas menos
afortunadas, como também expedir cartas de prisão e livramento. Acompanhava a
Corte, assim, era também responsável por suas atividades administrativas.
Os Ouvidores deviam conhecer
todos os feitos penais em processo de apelação, e zelavam pela distribuição de audiências
nos Tribunais de Relação, e administravam a condução dos serviços forenses.
O Direito Canônico muito influenciou
as Ordenações Afonsinas, a ponto de a palavra pecado substituir a palavra
crime. Dessa maneira, não se avaliava apenas o crime em si, a materialidade do
crime, mas as intenções do acusado; e, nesse sentido, se graduava a pena. A
mentalidade jurídica da época, portanto, não trabalhava com a proporcionalidade
entre delito e pena. A lei tinha a função de incutir o medo; o temor era
justificado pela pena prevista. Diversos delitos sofriam punição idêntica: a
pena de morte.
Outro aspecto importante a observar é
que não havia de ideia de igualdade, de equidade. As penas e o tratamento
variavam de acordo com a origem social, e de gênero, do acusado.
Em 1505, o rei D. Manuel, chamado o “Venturoso”,
mandou revisar as Ordenações Afonsinas. Após cinquenta nove anos, o reino de
Portugal estava em plena expansão marítima e mercantilista; vivia uma
modernidade, uma nova mentalidade que exigia mais agilidade nos negócios e na
vida social. Muitas leis já estavam em desuso; muitas leis extravagantes,
nesses quase sessenta anos, tinham sido produzidas, e era preciso superar, até
mesmo, a linguagem rebuscada e de influencia castelhana das Ordenações
Afonsinas.
Surgiram então, em 1521, as Ordenações Manuelinas. Uma legislação
que foi beneficiada pela invenção da imprensa (1450), o que a tornou mais
conhecida e com maior poder de alcance; auxiliando, assim, a centralização do
poder real, do Estado Moderno Português. As alterações empreendidas nas ordenações,
nessa revisão, foram mais no sentido da forma – em estilo decretório: a redação
em decretos - e com o acréscimo de algumas novas normas que tratavam, especialmente:
de relações comerciais – inclusive com estrangeiros; e de direito marítimo. Nos
demais assuntos, pouca coisa mudou; continuando na mesma sistemática de lançar
mão do Direito Romano quando algo não estava previsto pelas ordenações.
No período do reinado de D. Manuel, o
rei exigia a formação acadêmica de Direito para aqueles que trabalhavam com a
Justiça; todos os Juízes de Fora deveriam ser advogados formados.
Com o tempo novas leis surgiram
revogando ou esclarecendo as ordenações, e a reforma da Universidade de Coimbra
em 1537 “gerou um afã legislativo muito grande” (Lages, 2011; p.279). Este
processo acabou criando uma dispersão, que dificultava a operacionalidade da
legislação. Diante dessas dificuldades uma nova compilação foi encomendada pelo
regente D. Henrique em 1569. Essa legislação ficou conhecida como de D. Duarte Nunes
Leão - o responsável pela compilação - ou Código
Sebastianico, porque D. Sebastião era o príncipe herdeiro ainda menor para
ocupar o trono na época.
Em 1571 D. Sebastião, aos catorze
anos, assumia o trono português. Educado por jesuítas, Sebastião desejava ser
um herói das Cruzadas, e, nesse sentido, em 1578, seguiu liderando dezoito mil
homens para África, para lutar contra os infiéis muçulmanos; perdeu a batalha
de Alcácer-Quibir, no norte da África. Foi dado como morto, mas o seu corpo
nunca foi encontrado.
Um rei sem herdeiros. Portugal entra
em crise de sucessão dinástica. Seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, assumiu o
trono, mas morreu sem herdeiros. Extinguiu-se a dinastia de Avis.
Apesar de haver “candidatos” ao trono,
Filipe II, rei da Espanha, neto de
D. Manuel e supremo chefe de uma das maiores forças militares da época assume o
trono português. E tem início o período da União
Ibérica.
Mas, essa união não foi completa;
Portugal ainda manteve certa autonomia e defesa de seus interesses. As Cortes Portuguesas
impuseram condições e apresentaram exigências ao novo rei – o Juramento de Tomar (1581): permissão
para que o comércio colonial de Portugal fosse com navios portugueses,
comandados por portugueses, e as autoridades espanholas não poderiam se
intrometer nos assuntos das colônias portuguesas; os cargos, as leis, os costumes,
e o idioma português, como língua oficial, seriam preservados.
O desejo de centralização do poder
real, e dos juristas em impor o direito romano, assim como repelir a influência
canônica foram enumerados como os motivos que levaram Filipe II a empreender uma
nova revisão nas Ordenações Portuguesas. Assim, em 1603 era promulgada a Ordenação Filipina, o documento
jurídico que mais tempo ficou em vigor tanto em Portugal quanto no Brasil.
A Ordenação Filipina é uma
compilação, que revisa um pouco as normas da Ordenação Manuelina; sendo uma de suas
principais fontes o Código Sebastiânico. Houve mais uma reforma com base nas
ordenações anteriores, poucas novidades foram inseridas, o caráter português
foi preservado. A alteração mais importante está na composição da estrutura
judiciária, que se tornou mais complexa, o que acompanhava a complexidade da
vida socioeconômica e política da época.
A quantidade e a especificidade de
juízes e tribunais se ampliaram. Os Juízes Singulares eram: o Juiz das Casas da Índia, Mina, Guiné,
Brasil e Armazéns – questões ultramarinas de arrecadação fiscal, com
recurso aos Desembargadores dos Agravos da Casa de Suplicação; o Ouvidor da Alfândega da cidade de Lisboa
– apreciava feitos cíveis entre mercadores, e cíveis e criminais com
envolvimento de funcionários de postos importantes; o Chanceler das Sentenças – responsável pelo selo das sentenças e
cartas expedidas por outros juízes singulares; o Corregedor da Comarca – quem vigiava os membros da Justiça,
apreciava os agravos; eventualmente, substituía os Juizes de Fora; e tinha a competência
de conhecer causas em que uma das partes fosse juiz, alcaide, fidalgo, tabelião,
abade e prior; o Ouvidor da Comarca –
mesmas funções do Corregedor, mas contra seus atos caberia agravo para o
Corregedor, era nomeador por Carta Régia e tinha mandato de três anos; o Juiz Ordinário – anualmente eleito
entre os “homens bons” nas Câmaras Municipais tratava de causas cíveis,
criminais e competência subsidiária das causas pertencentes ao Juiz de Órfãos,
suas decisões só poderiam ser impugnadas por meio de julgamento de recurso no
Tribunal de Relação do munícipio de sua alçada; o Juiz de Fora – sua competência alcançava causas cíveis de até 600
réis em bens móveis e 400 réis em bens imóveis, mas também atuavam substituindo
os Juízes Ordinários no caso de causas cíveis com valor até mil réis em bens
móveis e em lugares de até 200 casas; o Juiz
de Vintena atuavam em lugares distantes uma ou mais léguas de uma vila ou
cidade, de vinte a cinquenta casas, eleito entre os “homens bons”, apreciava
questões de até 100 réis, tinha o poder de decretar prisões, porém, deveria comunicar
ao Juiz Ordinário; os Almotáceis, além
das competências já estabelecidas pelas ordenações anteriores, julgavam as
coimas (multas para proprietários de animais que pastam em lugar indevido), e
despachavam nos recursos de agravo e apelação para fins de processamento; o Juiz de Órfãos continuava com as mesmas
competências; o Juiz de Sesmaria
também continuava com a mesma função, apreciava as demandas sobre medição e
demarcação de sesmarias e era escolhido pela Mesa do Desembargo do Paço ou
pelos governadores; e, por fim, o Inquiridor,
aquele que tomava o depoimento das testemunhas.
A Casa de Suplicação e o Tribunal
de Relação formavam a segunda jurisdição, sendo que cada qual cuidava de
uma parte do país.
Desembargadores do Paço, Conselho da
Coroa e Fazenda, a Mesa de Consciência e Ordem e o Chanceler da Suplicação
formavam a Casa de Suplicação. Os corregedores e ouvidores exerciam funções nos Tribunais
de Relação de segundo grau.
A Casa de Suplicação presidida pelo
Regedor e composta pelo Chanceler Mor e pelos Desembargadores exercia o
terceiro grau de jurisdição. O Regedor conduzia as atividades judiciais dos desembargadores
das mesas, e seu voto tinha o poder do desempate em qualquer decisão. O
Chanceler Mor inspecionava os documentos públicos e extrajudiciais, cuidava dos
juramentos e tomada de posse dos cargos dos oficiais do Império. Os
Desembargadores divididos em grupos de dez apreciavam os agravos e apelações.
As Ordenações Filipinas elencam uma
lista de casos e situações de crime que devem ser recebidos em processo, mas
essa lista não é organizada por temática, ou assunto; indica desde questões
diversas de relações sexuais consideradas ilícitas, problemas com judeus e
mouros, crimes políticos a fugas de cadeia etc. O resultado dos processos, no
entanto, era recomendado que devessem ser rápidos e “segundo a verdade” apurada
por provas testemunhais, na falta de provas ou “por outro algum respeito
jurídico” a pena ordinária era substituída, por exemplo, por degredo e
impossibilidade de exercer o mesmo ofício. Não podiam testemunhar: pais, mães,
avós, avôs, filhos, netos, bisnetos, irmãos, escravos, judeus, mouros, “o desasisado
[que está livre] sem memória” e os menores de catorze anos.
O falso testemunho, e os que induzissem
ou corrompessem testemunhas eram condenados a morte e perda de todos os bens,
caso o processo tenha se resultado em pena de morte a um inocente; se não
tivesse havido morte seria degredado para o Brasil.
Degredos para outros lugares e
açoites eram aplicados a crimes mais leves. Morte e degredo para o Brasil eram
penas aplicadas nos crimes mais graves.
O Livro Quinto das Ordenações
Filipinas é o que
trata sobre a matéria e o processo penal. Este livro chama a atenção pela diversidade
dos delitos enumerados e crueldade das sentenças e penalidades. Não há proporção
entre delito e pena, assim como o tratamento é diferenciado entre nobres
fidalgos – considerados “gente de mais qualidade” - e plebeus, escravos,
mouros, judeus e mulheres. Os nobres e pessoas formadas em Universidade não
sofriam os tormentos, tidos como vergonhosos. A pena de morte poderia ser
executada de quatro formas, precedidas, geralmente, por dolorosos
suplícios. O vivicombúrio – queimar o
indivíduo vivo - era o mais indicado pela ordenação, aplicado, por exemplo, no
crime de incesto. A morte atroz significava
ainda o confisco de bens, a queima do cadáver, o esquartejamento e a abolição de
sua memória, caso aplicado a tabeliães e escrivães que fizeram escrituras falsas.
A morte natural era por degola ou enforcamento.
A forca, como era considerada uma morte infame, era aplicada nas pessoas de mais
baixa camada social. E tinha a “morte
civil”, considerada a mais cruel: o individuo mesmo vivo não tinha direito
algum, como se não existisse; em alguns casos, o culpado sofria a morte cruel e
os filhos herdavam a morte civil.
Nos casos de crime de Lesa-Majestade,
aleivosia (traição, fraude), falsidade, moeda falsa, testemunho falso,
feitiçaria, sodomia, alcovitaria, furto não gozavam de privilégio algum os
fidalgos, cavaleiros ou doutores, mas sofriam as tormentas e punições como
qualquer um do povo.
Em menores de dezessete anos, homem ou mulher, não se aplicava a pena
de morte, que seria trocada por outra menor a critério do Julgador. De
dezessete a vinte anos ficava a cargo de o julgador decidir se aplicava a pena
de morte ou não. E de vinte anos em diante se aplica a pena como se passasse de
vinte e cinco.
A Ordenação Filipina foi válida no
Brasil, no que ainda não tinha sido revogado, até durante o Império, e só foi
plenamente substituída em 1916, com a promulgação do Código Civil Brasileiro.
Houve algumas tentativas de reformulação motivadas pelo desenvolvimento do
conhecimento e da mentalidade jurídica liberal, especialmente influenciada pelo
discurso do jurista italiano Cesare Beccaria, que culminou com a obra “Dos
Delitos e das Penas” em meados do século XVIII, bem como pelos ideais
iluministas de Voltaire, Rousseau e Montesquieu, então em voga. Mas, não houve
sucesso nessas tentativas de reformulação; o projeto de Código Criminal do professor
José de Melo Freire dos Reis da Universidade de Coimbra foi rejeitado.
Principal referência bibliográfica: LAGES,
Flávia. História do Direito. Geral e Brasil, RJ: Editora Lumen Juris, 2011.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Sobre a Lei da Boa Razão.
Recomendo a leitura do artigo A Lei da Boa Razão e a Formação do Direito Brasileiro. do Jornal Carta Forense.
Excelente leitura!
Excelente leitura!
domingo, 25 de agosto de 2013
Origens e Fundamentos do Estado e do Direito Português.
Antes de o Império Romano conquistar
e anexar (século II; 146 a.C.) a Península Ibérica, celtas, iberos, tartéssios,
fenícios, gregos, celtiberos, lusitanos e cartagineses eram os povos que
dominavam a região. Estes sofreram o processo de romanização, com a imposição
das leis, cultura e organização político-administrativa romana. Os lusitanos
foram os que mais resistiram e conseguiram manter traços de sua cultura
original. Em 212 d.C. a Constituição Antoniana estendia a cidadania romana a
todo Império; assim, na Península ibérica, como em outros lugares conquistados,
houve a necessidade de pessoas conhecedoras do Direito Romano e de uma
readaptação ao novo ordenamento, porque romanos e não-romanos eram tratados de
maneira diferenciada pela Justiça antes de 212.
No século V d.C., com as invasões
bárbaras, a Península recebia novas influencias. O Império Romano entrava em
acordo com os Visigodos para expulsar os bárbaros. Em troca, poderiam
dominar a região.
Até o século VII, a ordem jurídica da
Península Ibérica se baseava numa dupla legislação: o Direito Romano e o Direito
Visigótico, ambos adotavam o principio da Personalidade das Leis, ou seja, a
responsabilidade penal era individual e não podia ser transmitida a terceiros.
Os visigodos seguiam uma compilação de 476, o Código do rei Eurico, que teve a colaboração de alguns juristas de
formação romana, e, assim, buscavam amenizar as controvérsias entre os povos
que, naquele momento, conviviam e se assimilavam culturalmente. Mas, em 506, o
rei Alarico II mandava redigir a Lex
Romana Visigothorum, ou o Breviário de Alarico, com a finalidade de
restaurar o Direito Romano Imperial, seguindo o Código do Imperador Romano
Teodósio II (438 d.C.), mantendo o principio da Personalidade das Leis.
Entre os anos 482 e 565 d.C. o
Imperador Bizantino Justiniano I (Romano do Oriente) compilou todas as leis
romanas revisadas desde o século II e promulgou o Código Juris Civilis. Este serviu de base para que, em 654, o rei
visigodo Recesvindo promulgasse um código unificador composto por doze livros: o Líber Judiciorum, que suprimia o
princípio da Personalidade das Leis na ordem jurídica da Península Ibérica.
Em 711, os árabes muçulmanos invadiram
a Península Ibérica, ou melhor, a Hispânia – como a Península era conhecida na
época - em direção à França, contudo, foram contidos. Os árabes se estabeleceram
no território Ibérico até o século XV. Sua influencia era mais cultural –
idioma, arquitetura - e sentida, especialmente, por meio da mudança de nomes e
denominações. Os árabes realizavam uma política de tolerância ao manterem as
estrutura dos locais conquistados e respeitando as instituições existentes. O Direito
muçulmano se baseava na crença, enquanto o visigótico na raça; assim
manteve-se relativa autonomia administrativa e judiciária em alguns condados e
territórios.
Todavia, em termos do Direito, os
muçulmanos trouxeram instituições consagradas pelo Alcorão, que acabaram por
influenciar a ordem jurídica da Península, entre elas, a vindicta privada – a Justiça Privada, que seria a vingança
institucionalizada, pois, após o julgamento, era dado o direito a um individuo
ou a um grupo de agir contra o que foi condenado pelo crime. Essa prática
atrasou a ideia do Direito Público no Direito Português; coexistindo, assim,
nos primeiros tempos do Reino de Portugal, a Justiça Pública aplicada por concelhos, senhores, juízes e pelo rei,
e a Justiça Privada, exercida pelos parentes ou grupo da vítima.
O processo de construção do Direito
português acompanha a história de Reconquista da Península Ibérica aos mouros;
um movimento que atravessou os séculos XI, XII e XIII e culminou com a formação
dos Estados Modernos de Portugal e Espanha. Enquanto os reinos de Castela,
Aragão, Navarra e Leão lutavam pela reconquista de seus territórios, motivados
por sua fé católica; na Itália, na cidade de Bolonha, em 1080, se formava um
centro de estudos do Direito Romano, que se debruçou sobre o Corpus Juris
Civilis do Imperador Bizantino Justiniano I. Esse centro ficou conhecido por Escola de Bolonha e exerceu grande
influencia na época. Seus estudos resultaram em obras como a Magna Glosa, redigida por Acúrsio
(1182-1357), que reunia os comentários – as glosas – mais importantes a respeito
das leis romanas, assim como casos exemplificando as situações jurídicas; e um direito
novo, moderno, que combinava o Corpus Juris com critérios novos do século
XIV, especialmente representado por um dos seus maiores comentadores: Bartolo de Sassoferrato (1314-1357).
O Condado Portucalense era um dos
feudos do Rei de Castela, que foi concedido, pelo casamento com uma de suas
filhas, ao nobre francês Henrique de Borgonha, em recompensa pelos serviços
prestados na Guerra de Reconquista. Em 1139 o Condado Portucalense formou-se
reino, reconhecido pela Igreja, e com dinastia própria (Borgonha). O processo
de reconquista continuou ainda por um bom tempo e a constante mobilização
militar com a necessária figura do chefe do exército facilitou a centralização
de poder em torno do rei, em detrimento dos senhores feudais.
“Como os territórios conquistados agregavam-se ao reino por meio de duras
vitórias, os enviados para defendê-los deviam seguir as leis comuns a todos os
outros, e não as próprias. Por fim, a herança das terras era subordinada ao
critério do merecimento, adquirido na sua defesa ou expansão no combate com os
mouros”. (Brasil 500
anos, nº 1,.p.07. Ed. Abril)
As instituições municipais faziam-se
fortes e hierarquicamente submetidas ao rei e não a um nobre local: o soberano
era o supremo juiz e as leis eram pra todos. Os camponeses, que viviam em
regime de servidão, foram libertados; tornaram-se colonos livres que recebiam
salário; a medida teve a intenção de evitar que a escassa mão de obra agrícola migrasse
para as cidades. O Estado Português nasce moderno por combater o sistema feudal
e por implantar uma burocracia muito organizada, responsável pela cobrança dos
impostos que mantinham o Exército.
Em meio a essas lutas , em 1151, na
Itália, motivado pelos estudos da Escola de Bolonha, o monge Graciano compilou
todos os cânones, as leis e regras da Igreja Católica Apostólica Romana, o Direito Canônico, num código chamado Decretum.
O Direito Canônico exerceu intensa influencia e interferência na vida social da
Idade Média, devido a fraqueza dos reis no sistema feudal, que motivava uma
relação política estreita entre Estado e Igreja. O direito Canônico gozava da
mesma autoridade do Direito Romano, inclusive em matéria de direito das
Obrigações e nos Direitos Penal e Processual, e enquanto ensino universitário.
A ordem jurídica do Reino de Portugal
manteve-se por muito tempo sob a égide do
Fuero Juzgo, ou leis dos Visigodos, baseada
na Lex Romana Visigothorum. Mas, no
século XIII, o rei de Castela, Afonso X, ordenou a compilação do Direito
Romano e do Direito Canônico por juristas formados na Universidade de Salamanca.
Esta compilação ficou conhecida como Ley
de Las Siete Partidas; e também passou a ser válida no território português,
conhecidas como “Leis romanas traduzidas em espanhol”, trabalho realizado por
Reinículas ou Decisionistas da Universidade de Lisboa, durante o reinado de D.
Dinis.
Foi durante o reinado de D. Dinis, de
1279 a 1325, que a aliança entre o povo, a burguesia e a Coroa portuguesa foi
mais incentivada. Este monarca promoveu a unificação da língua em todo
território, o uso do português em substituição ao latim nos documentos e a
fundação da Universidade de Lisboa, depois transferida para Coimbra. E também
foi ele que abrigou a Ordem dos Templários e a sua fortuna adquirida nas
Cruzadas, quando o Papa dissolveu a ordem. Os recursos dos Templários serviram
para a construção de poderosas caravelas e para a criação da Escola de Sagres,
que foi muito importante para a realização das aventuras marítimas de Portugal.
Na luta do direito público contra o
direito privado renascia o Direito Romano e se utilizava o Direito Canônico
como subsidiário. D.
Dinis reestruturou o serviço judiciário e criou o cargo de juiz: Havia o cargo
de Juiz, que atuava na cidade, para julgar questões entre cidadãos e oficiais
régios – os juízes alvazis dos avençais;
os juízes dos judeus – que tratavam de problemas com os judeus que estavam sob
a proteção real; e os juízes de órfãos, que tratava de tutorias e inventários
de menores.
No reinado de D. Dinis o número de
almotacés – inspetores de pesos e medidas, e que cuidavam da taxação e
distribuição de gêneros alimentícios – foi ampliado; o cargo de Procurador do
Concelho, para cuidar dos interesses públicos, foi criado. E, dessa maneira, o
poder dos senhores de terra diminuiu, por não poderem mais aplicar o direito,
julgar recursos ou apelações de sentenças; porque, daí em diante seriam
examinadas pelas Cortes.
Referências
bibliográficas:
•
CORRÊA,
Alexandre Augusto de Castro. “História do Direito Nacional desde a antiguidade
até o código civil de 1916”. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito
Brasileiro. Leituras da Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010.pp.
65-80.
•
BUENO,
Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. Notícia Histórica do Direito Penal no
Brasil. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito Brasileiro. Leituras da
Ordem Jurídica Nacional. SP: Ed Atlas, 2010. pp. 167-171.
•
CASTRO,
Flávia Lages de. História do Direito.
Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.130; 265-270.
•
Coleção
Brasil 500 Anos. Nº 1. Volume 1. SP:
Editora Abril, 2000 [?]. pp.01-09.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
A Disciplina História do Direito – Por que estudá-la?
O fato do Direito poder ser
identificado com os costumes, com a identidade cultural que organiza
determinado povo, provoca a necessidade de se conhecer como se processou, como se
construiu o conhecimento jurídico dessa determinada sociedade. A ordem jurídica
de um povo, que vive em sociedade, se alimenta do acervo intelectual que ele cultiva
ou que os setores gestores dominam - os elaboradores das leis, os técnicos e
jurisconsultos -, e, especialmente, da experiência histórica que valorizam.
A disciplina “História do Direito” surgiu
nas primeiras décadas do século XIX, na Alemanha, em meio a uma efervescência
cultural de descobertas científicas, de revolução industrial, de valorização do
racionalismo, do cientificismo. E, nesse sentido, a História do Direito é fruto
desse movimento reconhecido como positivista, que forma um historicismo jurídico,
quando a História é considerada uma ciência de fundamental importância para a
reflexão do Direito, e que abre diálogo com outras áreas do conhecimento que o
complementam; porque a disciplina História do Direito pretende atender a necessidade
de cada povo buscar as origens de sua tradição jurídica; e, nesse movimento, o
sentimento nacionalista favorecia essa compreensão.
Friedrich Carl von Savigny (1779
-1861), jurista alemão, e grande pesquisador do Direito Romano, foi o
insistente professor da Universidade de Berlim que defendeu a ideia da criação
dessa disciplina. Em 1815 fundou uma Revista de História da Ciência do Direito.
Em 1885 a disciplina História do Direito já fazia parte do currículo dos cursos
de Direito do Brasil. Com o advento da República veio a Reforma de Benjamim
Constant em 1891 e a disciplina foi reafirmada no currículo dos cursos
jurídicos; mas, em 1901, foi retirada, ficando ausente das faculdades
brasileiras, enquanto disciplina específica, por todo o século XX. Contudo, o
historicismo jurídico permaneceu influenciando o pensamento jurídico
brasileiro.
A disciplina História do Direito é a
oportunidade de refletir sobre as experiências passadas, considerar as mudanças
e permanências, partindo de indagações e expectativas contemporâneas,
ampliando, assim, as possibilidades de análise, solução e argumentação frente os
embates presentes. É caminho para desvelar a identidade da cultura jurídica de
uma nação, do que o Direito, a Justiça, é e significa hoje.
Assinar:
Postagens (Atom)