O continente americano foi objeto de
disputa jurídica entre as grandes potências marítimas Portugal e Espanha nos
séculos XV-XVI, antes mesmo de ser oficialmente encontrado.
O Tratado de Toledo (1480), a Bula
Inter Coetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494) são os primeiros
documentos que resguardam os direitos de conquista e ocupação dos novos
territórios para Portugal e Espanha. Estes documentos demonstram a
intencionalidade da “descoberta”. Pedro Alvares Cabral aproveitou um desvio de
sua viagem comercial as Índias para, em nome da Coroa Portuguesa, ocupar
oficialmente as terras que iniciariam o atual Brasil, erguendo assim um marco com
o selo português e fincando a primeira cruz da fé católica.
Os primeiros tempos da Terra de Santa
Cruz foram de exploração e reconhecimento. No início do século XVI o
mercantilismo português ainda se voltava para os produtos do Oriente, a prática
mercantilista se organizava no sistema de monopólios, mas o crescente fluxo de
metais, ouro e prata, encontrados pela Espanha em suas colônias americanas,
incentivava o monetarismo, e, consequentemente, a busca pelos metais preciosos.
Mas, Portugal não teve o prazer de encontrar riquezas minerais em seus primeiros
tempos de ocupação. Teve que se contentar com a exploração extrativista do
pau-brasil, das drogas do sertão e de animais da Mata Atlântica. Em 1506, o
Papa Júlio II confirmava a ocupação dessas terras por Portugal usando como
referência o Tratado de Tordesilhas.
Assim, podemos considerar a feitoria como a primeira instituição
jurídico-administrativa no Brasil; e estava presente em vários pontos do
litoral: Itamaracá, Igarassu, Baía de Todos os Santos, Cabo Frio e Rio de
Janeiro. A feitoria não era apenas um entreposto comercial, onde se armazenavam
os produtos da atividade extrativista. O feitor,
o responsável pelo entreposto, era possuidor de uma autoridade. Uma autoridade
limitada pelo ambiente selvagem no qual estava inserido.
“Cabia ao feitor evitar a deserção de marinheiros, receber produtos da
terra que seriam enviados ao Reino e tentar impedir que embarcassem, sem
autorização, indígenas escravizados e, sobretudo, mulheres brancas” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato.
Uma Breve História do Brasil. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2010. p. 40)
Os produtos
da terra eram fruto do escambo com os índios. Os portugueses se depararam com
milhares de pessoas de uma cultura que consideraram atrasada, e que demonstrava
uma grande diversidade de línguas e costumes. Na opinião dos conquistadores
portugueses, o modo de vida indígena destoava completamente dos padrões da
civilização europeia: sem fé, sem rei e sem lei, e, podemos acrescentar, sem
roupa, o que escandalizou os portugueses.
Quando os portugueses tomaram posse do
Brasil, as Ordenações Afonsinas ainda
estavam em vigor, e estas puniam com o degredo cerca de duzentos delitos, entre
eles cortar árvores de fruto, comprar colmeias para matar abelhas, trapaças em
jogos, ofensas à realeza, infrações do código moral e perturbações da ordem
pública. As terras novas do Brasil, selvagens e repletas índios, muitos deles
praticantes do ritual da antropofagia, tornaram-se destino de muitos dos
condenados ao degredo. Apesar de a pena variar de cinco anos à vida inteira,
muitas vezes o degredado ficava para sempre no Brasil, porque a Coroa os
esquecia.
Além dos degredados, náufragos e
aventureiros aportaram no litoral brasileiro e mantiveram relação estreita com
os índios, inclusive de casamento. Os mais famosos foram: João Ramalho, que
vivia entre os índios guaianás, no topo da Serra do Mar, no atual estado de São
Paulo, e que casou com Bartira ou Potira, filha do chefe indígena Tibiriçá; e
Diogo Alvares Correia, o Caramuru, que vivia entre os tupinambás na Bahia e
casou com a índia Paraguaçu, também filha de um chefe tribal.
De início a relação foi até certo
ponto amistosa com alguns grupos; de reconhecimento, baseada na troca de
objetos, de mercadorias, que interessavam a ambos. A ponto de iniciar um
processo de aculturação: o europeu assimilando o modo de viver indígena. Mas, a expedição colonizadora de Martim Afonso
de Sousa vem relembrar a realidade da civilização para esses europeus; com
a autoridade que lhe é conferida pela Coroa, Martim delimita o espaço entre
civilização e barbárie, impõe normas de comportamento compatíveis com o modo de
viver cristão, como celebrar matrimônio, respeitar as leis do Reino, usar
vestimentas, jejuar nos dias prescritos, etc. e ergue vila equipada de acordo com
os padrões portugueses: com capela, Câmara e cadeia.
O conflito com os índios torna-se
mais grave a medida que a exploração se torna mais explícita, a ocupação do
território avança, e a escravidão se anuncia para os indígenas, especialmente incentivada
pela guerra tribal, que, muitas vezes, era estimulada pelo próprio europeu. E
esta nova fase aconteceu com mais vigor quando Portugal decidiu ocupar o
território de maneira mais racional e produtiva, e estabeleceu as Capitanias Hereditárias.
As expedições guarda-costas não
estavam sendo suficientes para controlar o imenso litoral e proteger a colônia
dos interesses de outros povos europeus. Corsários e piratas assaltavam a Costa
causando grandes prejuízos à Coroa; e, diante da impossibilidade imediata da
exploração de minérios, dos gastos em manter os domínios na Ásia, dos luxos da
Corte e da perda de entrepostos de comércio na Ásia, o melhor caminho seria
incentivar o povoamento da colônia no sentido de combater o contrabando e
preservar os interesses portugueses.
A implantação das Capitanias
Hereditárias esbarra, no entanto, na dificuldade do Rei de Portugal em
encontrar candidatos que assumissem tal empreendimento de risco. Foi a pequena
fidalguia que atendeu à convocação do Rei, mesmo assim, apenas duas capitanias
foram de fato ocupadas por seus donatários, Duarte Coelho e Martim Afonso de
Sousa; e, realmente, apesar de todas as dificuldades e desinteresse da Coroa -
que estava em busca do ouro -, apenas Nova Lusitânia (Pernambuco) e São Vicente
(São Paulo) prosperaram.
Em Portugal já havia a Lei de Sesmarias (1375), que
estabelecia a concessão de três léguas de terras para incentivar o cultivo de
agricultura de subsistência, caso não houvesse produção a terra seria devolvida
à Coroa. Com a instituição das Capitanias Hereditárias, o capitão-donatário
tinha como uma de suas atribuições a concessão de sesmarias; mas, no Nordeste
os lotes de terras extrapolaram as três léguas, e no Sul foi estabelecido
conforme a lei.
Dois documentos formalizavam a
autoridade, os direitos e os deveres do donatário e da povoação: a Carta de Doação e o Foral. A Carta de Doação
formalizava os limites de terras e jurisdição do donatário; dava posse da
capitania, ou governança, e suas rendas ao capitão-donatário, ou governador. Pela
Carta Foral ou Foro se estabelecia a jurisdição civil e criminal do
donatário sobre escravos, homens livres e índios, o autorizava a fundar vilas, nomear
cargos, lançar taxas e tributos e deter monopólio, no caso do açúcar, conceder
sesmarias – exceto à mulher ou ao filho herdeiro da capitania – receber munições
e comunicar-se com as outras capitanias; estava proibido de dividir o território.
O Foral regulava também a vida coletiva do povoado; todos deveriam ser
católicos, prestar serviço militar em caso de guerra e não fazer comércio com
índios. O Foral também tratava dos monopólios de pau-brasil, especiarias,
drogas do sertão e sobre o quinto da Coroa referente à extração de metais e
pedras preciosas.
A colonização portuguesa no Brasil
foi um empreendimento complexo e de alto custo, que exigia a implantação de um
aparelho administrativo e militar adequado, e nesse sentido, a sociedade, ou a
convergência de interesses, entre Rei e burguesia comercial foi de e extrema importância.
Foi estabelecido um Pacto Colonial, ou seja, um regime de exclusividade de
relações comerciais e administrativas com a metrópole portuguesa. A colônia
deveria apenas corresponder às expectativas da Coroa, nesse sentido, não
poderia realizar manufaturas ou fábricas, a não ser do açúcar, e consumir
apenas os produtos provenientes do Reino. Mantinha-se, portanto, a colônia em
total dependência da Metrópole.
É montada a
empresa da agroindústria açucareira exportadora: latifúndio monocultor movido à
mão-de-obra escrava; também conhecido como sistema de Plantation. Inicia com a
escravidão indígena, mas em 1570, em respeito à Bula do Papa Paulo III de 1537,
o rei Dom Sebastião proíbe o apresamento de indígenas para a escravidão, a não
ser como resultado das Guerras Bárbaras, ou dos Gentios. Em 1559 o rei de
Portugal autorizou oficialmente o tráfico escravo da África para o Brasil;
limitando a compra de uma centena escravos por senhor de engenho. Escravos da
África já eram utilizados em outras colônias, no Brasil Martim Afonso já havia
conduzido alguns, e Duarte Coelho havia solicitado autorização para comprar uma
leva de 120 escravos da Guiné em 1542.
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