domingo, 15 de setembro de 2013

Direito Português no Brasil Colônia – 1ª parte.


O continente americano foi objeto de disputa jurídica entre as grandes potências marítimas Portugal e Espanha nos séculos XV-XVI, antes mesmo de ser oficialmente encontrado.

O Tratado de Toledo (1480), a Bula Inter Coetera (1493) e o Tratado de Tordesilhas (1494) são os primeiros documentos que resguardam os direitos de conquista e ocupação dos novos territórios para Portugal e Espanha. Estes documentos demonstram a intencionalidade da “descoberta”. Pedro Alvares Cabral aproveitou um desvio de sua viagem comercial as Índias para, em nome da Coroa Portuguesa, ocupar oficialmente as terras que iniciariam o atual Brasil, erguendo assim um marco com o selo português e fincando a primeira cruz da fé católica.

Os primeiros tempos da Terra de Santa Cruz foram de exploração e reconhecimento. No início do século XVI o mercantilismo português ainda se voltava para os produtos do Oriente, a prática mercantilista se organizava no sistema de monopólios, mas o crescente fluxo de metais, ouro e prata, encontrados pela Espanha em suas colônias americanas, incentivava o monetarismo, e, consequentemente, a busca pelos metais preciosos. Mas, Portugal não teve o prazer de encontrar riquezas minerais em seus primeiros tempos de ocupação. Teve que se contentar com a exploração extrativista do pau-brasil, das drogas do sertão e de animais da Mata Atlântica. Em 1506, o Papa Júlio II confirmava a ocupação dessas terras por Portugal usando como referência o Tratado de Tordesilhas.

Assim, podemos considerar a feitoria como a primeira instituição jurídico-administrativa no Brasil; e estava presente em vários pontos do litoral: Itamaracá, Igarassu, Baía de Todos os Santos, Cabo Frio e Rio de Janeiro. A feitoria não era apenas um entreposto comercial, onde se armazenavam os produtos da atividade extrativista. O feitor, o responsável pelo entreposto, era possuidor de uma autoridade. Uma autoridade limitada pelo ambiente selvagem no qual estava inserido.

“Cabia ao feitor evitar a deserção de marinheiros, receber produtos da terra que seriam enviados ao Reino e tentar impedir que embarcassem, sem autorização, indígenas escravizados e, sobretudo, mulheres brancas” (PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato. Uma Breve História do Brasil. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2010. p. 40)

            Os produtos da terra eram fruto do escambo com os índios. Os portugueses se depararam com milhares de pessoas de uma cultura que consideraram atrasada, e que demonstrava uma grande diversidade de línguas e costumes. Na opinião dos conquistadores portugueses, o modo de vida indígena destoava completamente dos padrões da civilização europeia: sem fé, sem rei e sem lei, e, podemos acrescentar, sem roupa, o que escandalizou os portugueses.

Quando os portugueses tomaram posse do Brasil, as Ordenações Afonsinas ainda estavam em vigor, e estas puniam com o degredo cerca de duzentos delitos, entre eles cortar árvores de fruto, comprar colmeias para matar abelhas, trapaças em jogos, ofensas à realeza, infrações do código moral e perturbações da ordem pública. As terras novas do Brasil, selvagens e repletas índios, muitos deles praticantes do ritual da antropofagia, tornaram-se destino de muitos dos condenados ao degredo. Apesar de a pena variar de cinco anos à vida inteira, muitas vezes o degredado ficava para sempre no Brasil, porque a Coroa os esquecia.

Além dos degredados, náufragos e aventureiros aportaram no litoral brasileiro e mantiveram relação estreita com os índios, inclusive de casamento. Os mais famosos foram: João Ramalho, que vivia entre os índios guaianás, no topo da Serra do Mar, no atual estado de São Paulo, e que casou com Bartira ou Potira, filha do chefe indígena Tibiriçá; e Diogo Alvares Correia, o Caramuru, que vivia entre os tupinambás na Bahia e casou com a índia Paraguaçu, também filha de um chefe tribal.

De início a relação foi até certo ponto amistosa com alguns grupos; de reconhecimento, baseada na troca de objetos, de mercadorias, que interessavam a ambos. A ponto de iniciar um processo de aculturação: o europeu assimilando o modo de viver indígena. Mas, a expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa vem relembrar a realidade da civilização para esses europeus; com a autoridade que lhe é conferida pela Coroa, Martim delimita o espaço entre civilização e barbárie, impõe normas de comportamento compatíveis com o modo de viver cristão, como celebrar matrimônio, respeitar as leis do Reino, usar vestimentas, jejuar nos dias prescritos, etc. e ergue vila equipada de acordo com os padrões portugueses: com capela, Câmara e cadeia.

O conflito com os índios torna-se mais grave a medida que a exploração se torna mais explícita, a ocupação do território avança, e a escravidão se anuncia para os indígenas, especialmente incentivada pela guerra tribal, que, muitas vezes, era estimulada pelo próprio europeu. E esta nova fase aconteceu com mais vigor quando Portugal decidiu ocupar o território de maneira mais racional e produtiva, e estabeleceu as Capitanias Hereditárias.

As expedições guarda-costas não estavam sendo suficientes para controlar o imenso litoral e proteger a colônia dos interesses de outros povos europeus. Corsários e piratas assaltavam a Costa causando grandes prejuízos à Coroa; e, diante da impossibilidade imediata da exploração de minérios, dos gastos em manter os domínios na Ásia, dos luxos da Corte e da perda de entrepostos de comércio na Ásia, o melhor caminho seria incentivar o povoamento da colônia no sentido de combater o contrabando e preservar os interesses portugueses.

A implantação das Capitanias Hereditárias esbarra, no entanto, na dificuldade do Rei de Portugal em encontrar candidatos que assumissem tal empreendimento de risco. Foi a pequena fidalguia que atendeu à convocação do Rei, mesmo assim, apenas duas capitanias foram de fato ocupadas por seus donatários, Duarte Coelho e Martim Afonso de Sousa; e, realmente, apesar de todas as dificuldades e desinteresse da Coroa - que estava em busca do ouro -, apenas Nova Lusitânia (Pernambuco) e São Vicente (São Paulo) prosperaram.

Em Portugal já havia a Lei de Sesmarias (1375), que estabelecia a concessão de três léguas de terras para incentivar o cultivo de agricultura de subsistência, caso não houvesse produção a terra seria devolvida à Coroa. Com a instituição das Capitanias Hereditárias, o capitão-donatário tinha como uma de suas atribuições a concessão de sesmarias; mas, no Nordeste os lotes de terras extrapolaram as três léguas, e no Sul foi estabelecido conforme a lei.

Dois documentos formalizavam a autoridade, os direitos e os deveres do donatário e da povoação: a Carta de Doação e o Foral. A Carta de Doação formalizava os limites de terras e jurisdição do donatário; dava posse da capitania, ou governança, e suas rendas ao capitão-donatário, ou governador. Pela Carta Foral ou Foro se estabelecia a jurisdição civil e criminal do donatário sobre escravos, homens livres e índios, o autorizava a fundar vilas, nomear cargos, lançar taxas e tributos e deter monopólio, no caso do açúcar, conceder sesmarias – exceto à mulher ou ao filho herdeiro da capitania – receber munições e comunicar-se com as outras capitanias; estava proibido de dividir o território. O Foral regulava também a vida coletiva do povoado; todos deveriam ser católicos, prestar serviço militar em caso de guerra e não fazer comércio com índios. O Foral também tratava dos monopólios de pau-brasil, especiarias, drogas do sertão e sobre o quinto da Coroa referente à extração de metais e pedras preciosas.

A colonização portuguesa no Brasil foi um empreendimento complexo e de alto custo, que exigia a implantação de um aparelho administrativo e militar adequado, e nesse sentido, a sociedade, ou a convergência de interesses, entre Rei e burguesia comercial foi de e extrema importância. Foi estabelecido um Pacto Colonial, ou seja, um regime de exclusividade de relações comerciais e administrativas com a metrópole portuguesa. A colônia deveria apenas corresponder às expectativas da Coroa, nesse sentido, não poderia realizar manufaturas ou fábricas, a não ser do açúcar, e consumir apenas os produtos provenientes do Reino. Mantinha-se, portanto, a colônia em total dependência da Metrópole.

            É montada a empresa da agroindústria açucareira exportadora: latifúndio monocultor movido à mão-de-obra escrava; também conhecido como sistema de Plantation. Inicia com a escravidão indígena, mas em 1570, em respeito à Bula do Papa Paulo III de 1537, o rei Dom Sebastião proíbe o apresamento de indígenas para a escravidão, a não ser como resultado das Guerras Bárbaras, ou dos Gentios. Em 1559 o rei de Portugal autorizou oficialmente o tráfico escravo da África para o Brasil; limitando a compra de uma centena escravos por senhor de engenho. Escravos da África já eram utilizados em outras colônias, no Brasil Martim Afonso já havia conduzido alguns, e Duarte Coelho havia solicitado autorização para comprar uma leva de 120 escravos da Guiné em 1542.

Nenhum comentário:

Postar um comentário