O sistema de
Capitanias Hereditárias não funcionou por muito tempo. O empreendimento
colonial não pode se manter apenas com o capital privado. Foram poucos os
donatários que assumiram seus lotes, muitos deles enviaram ouvidores em seu
lugar, a ocupação se deu de maneira muito dispersa e pouco lucrativa para a
Coroa.
A Coroa
portuguesa resolveu transpor para a colônia o modelo de administração municipal
da Metrópole, no sentido de ter maior controle das terras coloniais e buscar
melhores resultados econômicos. Então, em 1548 foi criado o Governo-Geral e em 1549 foi implantado
no Brasil, com sede em Salvador, sendo o primeiro Governador-Geral Tomé de Sousa,
que veio acompanhado do Desembargador Pero Borges para desempenhar a função de Ouvidor-Mor. É o marco inicial da
estruturação do judiciário brasileiro.
A diferença com relação ao sistema de
capitanias é que os donatários, que antes possuíam poderes praticamente
soberanos, estariam sujeitos, a partir de então, ao Governo-Geral; e os
Governadores-gerais estariam diretamente
sujeitos ao poder metropolitano.
Contudo, o poder do governador era
limitado por normas muito precisas e rigorosas, e devia prestar contas
detalhadas, especialmente, ao fim do mandato. Havia uma fiscalização rotineira
dos feitos do governo-geral, porque se vivia um contexto de desconfiança do
governo central com relação aos seus agentes, em razão de desleixos,
incapacidades e desonestidades entre eles; há de se levar em conta as
distancias e as dificuldades de comunicação, que facilitavam toda sorte de
desmandos.
Um Regimento estabelecia quais as competências
do Governador-Geral; seriam: cuidar da defesa da terra contra ataques construindo
e conservando fortes e muros, bem como, armando os colonos; favorecer o
estabelecimento de engenhos de cana de açúcar; empreender expedições exploradoras;
proteger os interesses da Coroa com relação ao pau-brasil e aos impostos; fazer
aliança com os índios e auxiliar em sua catequese – o governador devia evitar
a sua escravização, e doar terras aos índios com a intenção de os integrar
no sistema produtivo colonial.
O índio era uma questão difícil a ser
tratada pelo Governador, visto que os interesses e a visão de colonos e Coroa
portuguesa entravam em conflito. Para os colonos o índio era mão de obra
abundante e barata, para a Coroa os índios deveriam ser tratados como
colaboradores na ocupação do território; mas, essa visão não se justificava
pela intervenção papal em favor do índio em 1537, mas sim pelos interesses de Portugal
no comércio lucrativo de escravos da África: a colônia era um consumidor em
potencial do tráfico negreiro, que se desenvolvia e estaria liberado oficialmente
para o Brasil em 1559. E para reforçar esse conflito entre interesses
metropolitanos e colonos estavam os jesuítas a defender os índios e protege-los
em suas missões, ou reduções, ou melhor, suas propriedades agrícolas, nas quais
os índios seriam a mão-de-obra principal.
O Provedor-Mor da Fazenda (tributos e
cargos), o Capitão-Mor da Costa (defesa) e o Ouvidor-Mor (Justiça) eram os
principais auxiliares do Governador-Geral.
O Ouvidor-Mor exercia, na verdade,
uma função jurídico-administrativa. Ele era a autoridade máxima da Justiça na
colônia, mas, dependendo da personalidade do Governador-Geral e dos interesses
em jogo, as atribuições do Ouvidor-Mor poderiam se confundir ou sobrepor. A
princípio, o Ouvidor-Mor era independente, mas, depois, a função vinculou-se
com a do Governador-Geral, exercendo as seguintes atribuições:
“examinar conflitos de jurisdição em grau de recurso de apelação ou
agravo; limitar o excesso de jurisdição dos donatários, emitir alvarás para
soltura dos culpados em crimes, para busca aos carcereiros, para fazerem fintas
nas obras públicas dos Conselhos, para seguir apelação e agravo sem que
houvesse embargo ou falta de preparo, para entrega de fazenda e ausentes, para
possibilitar realizar prova de direito comum em contratos ou alvarás de fiança;
vigiar, fiscalizar e punir os donatários que tenham agido por força ou extorsão
pública ou criado obstáculos à atividade judiciária; guardar provisão da Mesa
de consciência e Ordens sobre dinheiro de pessoas já falecidas, cativos e
ausentes”. (CASTRO,
Flávia Lages de. História do Direito.
Geral e Brasil. RJ: Editora Lumen Juris, 2011. Pp.305-306).
Algumas atribuições, como anistiar ou
castigar os réus, só cabiam ao Ouvidor-Mor, este poderia aplicar até a pena de
morte em escravos, índios e peões cristãos livres; mas, no caso da pena máxima
teria que despachar com o Governador, mas, se houvesse discordância entre eles,
levariam o caso ao Corregedor da Corte. Nas pessoas de “maior qualidade”
poderia aplicar até cinco anos de degredo, excluindo-se de sua ação as pessoas eclesiásticas.
Formalmente, estavam assim
organizados, mas, na prática, topavam com muitas dificuldades. Portugal cometeu
o erro de transpor o modelo de administração da Metrópole para o Brasil tal e
qual, apenas com relação aos impostos houve uma adequação. Não levaram em conta
o tamanho do território e as dificuldades de comunicação. Centralizaram e
concentraram o poder e as autoridades em capitais e sedes, enquanto o resto do
território ficava praticamente desgovernado, no melhor dos casos, a Justiça estava
à mercê da incompetência de leigos como eram os juízes ordinários.
As vilas possuíam uma série de cargos
jurídicos: almotacéis, juiz ordinários, etc, mas de uma jurisdição imensa. Para
amenizar a dificuldade em dar conta de todo o território, a administração portuguesa
realizava a prática das Correições e das Visitações, que eram excursões
administrativas que deveriam atingir todos os recantos da jurisdição. Estas
visitações aconteciam raramente e, geralmente, tinham como objetivos
fiscalizar, supervisionar ou auditar recursos. Os ocupantes desses cargos
jurídicos também não se limitavam a questões de Justiça, mas assumiam também
funções administrativas.
A estrutura judiciária no Brasil
colônia estava assim disposta, por ordem decrescente de importância: Ouvidor, Juiz
Ordinário ou da Terra, Juiz de Vintena, Almotacéis, Juiz de Fora e Juiz de
Órfãos. O órgão máximo era a Casa de Suplicação, que ficava em Lisboa; depois
vinham o Desembargo do Paço, a Casa do Porto, a Mesa de Consciência e Ordens, o
Conselho Ultramarino, a Junta de Comércio, o Conselho do Almirantado, o
Tribunal da Junta dos Três Estados, o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do
Santo Ofício.
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